domingo, março 12, 2006

Nha Trang: memorias do Apocalipse

A costeira Nha Trang era dos destinos mais ansiados do Vietname. Primeiro devido a um sonho longinquo, ainda no tempo de preparacao desta longa viagem, que envolvia as praias de Nha Trang e uma mae falecida -- os contornos do sonho estarao perdidos algures na memoria. Depois porque surgia como a oportunidade de descansar alguns dias do ritmo frenetico imprimido desde o inicio. Finalmente, porque sobre o Vietname paira sempre a sombra do meu filme favorito: Apocalypse Now.
Chegamos cedo a Nha Trang. Sao seis da manha e o autocarro descarrega os passageiros ensonados no hotel associado. Sem vontade, mantemos a intencao de nao aceitar este bombom (nao diremos envenenado, mas pelo menos mais caro do que o normal). Temos de esperar mais de meia-hora para que a nossa escolha abra portas (a recepcao estava vazia) e depois de cumpridos os primeiros rituais -- pousar mochilas, tomar banho, descansar uns minutos -- estamos prontos para a praia. Mas esta nao esta pronta para nos. A meteorologia da-nos ceu encoberto e aproveitamos a manha para rumar ao templo famoso pela estatua gigante do Buda sentado. Imponente, num branco imaculado, o Buda observa a cidade a partir do topo de uma colina, resplandecendo sob um ceu finalmente azul. Ainda assim, o tom cinza teima em nao nos largar (aqui no blog temos evitado mencionar os momentos maus, as discussoes, mas tenham a certeza que tambem ha disso por aqui... :-) ).
Iniciamos o regresso ao hotel com o intuito de restabelecer a harmonia numa sessao de praia e eh por puro acaso que damos de cara com a catedral de Nha Trang, bastiao cristao em terra distante. A AV diz que as coisas (os desvios da rota, os entraves, etc) costumam ter uma significado qualquer "oculto", mas nunca teve tanta razao como desta vez. Depois de ouvirmos canticos no interior da igreja, deparamos com uma "Maria Madalena" mesmo ao lado de um "Phaolo". Nomes assim inscritos numa parede de lapides que rodeia a catedral. O sonho torna-se realidade atraves deste encontro inesperado.
Depois do episodio, o resto da historia de Nha Trang faz ainda mais sentido. Nada deste destino combina connosco. A cidade, essencialmente feia, parece uma estancia balnear da Tailandia, com bares -- e bebidas e prostitutas -- orientados para os turistas sedentos de alcool e sexo. A praia esta impossivel -- vento, mar encrespado, areia suja, vendedores ambulantes de pulseiras, comidas e massagens a perturbarem permanentemente o descanso -- e as excursoes programadas as ilhas adjacentes para fazer snorkeling parecem impraticaveis. Ainda assim, eh necessario um "enviado" para percebermos que a nossa missao aqui esta cumprida: ao jantar conhecemos uma italiana que decidiu tirar um ano sabatico apos apagar as velas dos 40 anos e nos diz que se vai embora na manha seguinte. Nha Trang esta "off-season", sublinha. Concordamos. Naquele momento decidimos partir na manha seguinte e procurar refugio nas montanhas de Dalat.
Parto mais leve. De tarde coloquei-me nas maos de uma vietnamita. A intencao era que me cortasse o cabelo, com a costumeira maquina zero, mas a especialidade da rapariga nao sera certamente o corte de cabelo. Nunca estive tao perto de ficar sem escalpe. O alivio de sair daquelas maos assassinas transforma-se em ira ao chegar ao quarto. A AV constata que, alem de marcas vermelhas na cabeca, tenho partes ainda com cabelo. A solucao eh passar uma lamina pelo escalpe. Eh a primeira vez que rapo o cabelo assim e quando me vejo ao espelho recordo-me imediatamente do Coronel Kurtz. E lembro-me que ando a ler a biografia do Marlon Brando onde, a paginas tantas, ele refere que rapou o cabelo para as cenas do Apocalypse Now sem consultar o Francis Ford Coppola. Junto Nha Trang, sonho "maternal", filme favorito, cabelo rapado, catedral, e concluo que ha coincidencias mesmo muito coincidentes. [PMM]

2 Comments:

At 1:36 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Esta história é fabulosa e dava já 1 belo conto, ó paulinho. E tudo sem sexo nem violência. Apenas memórias... 1 verdadeiro filme. Acabaste também por corporizar 1 sonho que também é meu. Claro que sempre distante porque nunc soube como concretizá-lo. Senti que em ti se fechou 1 pequeno círculo. Como se de 1 círculo de uma pedrinha num lago. Mas este em vez de abrir, fechou-se. Parabéns

 
At 1:39 da tarde, Anonymous Anónimo said...

esse antes er eu o heitor zorro mas acho que já perdi a password...

 

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