segunda-feira, maio 04, 2009

Passo a passo

Dizem que o prometido é devido. Nem sempre, nem sempre, já sabemos. Desta vez tardou mas parece que vai chegar. Se ainda passar por aqui alguém, saiba que vamos tentar dar uma nova viagem ao mundo. Por letras e imagens apenas, que agora outros valores se impõem no nosso dia-a-dia físico. Num novo blog retomaremos uma volta ao mundo, pé ante pé, sem pressa de chegar ao fim. Assim haja tempo e vontade de percorrer o caminho inteiro. Até já em Uma Imagem 100 Palavras. [PMM]

quinta-feira, julho 27, 2006

O Rio de Janeiro continua lindo

E Lisboa também.
No dia 16 de Julho de 2006, domingo de calor sufocante, aterrou um avião no aeroporto da Portela proveniente de Madrid. Para muitos passageiros, a pequena viagem representava o início de uma temporada de descoberta. Para dois deles significava o regresso a um solo que não pisavam há mais de 8 meses.
Partimos do Rio de Janeiro quase 24 horas antes. Na cidade carioca, efectivamente uma das mais lindas do mundo inteiro, vivia-se o período de Inverno, caracterizado por passeios no calçadão de Copacabana aos finais de tarde dos dias de semana e por dias de banhos de sol e mar ao fim-de-semana. Os cariocas vivem o "Verão" o ano inteiro. O período invernal reflecte-se, apenas, numa brisa fresca, suave, agradável.
A cidade maravilhosa foi o derradeiro capítulo de uma saga de oito meses e meio, iniciada na caótica Mumbai da Índia. A sorte acompanhou-nos como foi hábito e do Rio apenas ficaram boas recordações. O samba, chorinho e bossa nova omnipresentes, as areias de Ipanema e Copacabana, o bairro Santa Teresa que mimetiza o Bairro Alto lisboeta, as insuperáveis vistas a partir do Corcovado e do Pão de Açúcar, a grandeza dimensional e histórica do Maracanã. Foram sete dias de "tropicalismo" a findar meses de sensações e emoções tão diferentes quanto inesquecíveis.
Como indefectíveis "torcedores de nariz" aos "diários" bloguísticos, a nossa intenção inicial era descrever tudo, a par e passo, aos nossos amigos e familiares. Estávamos longe de imaginar que a nossa viagem poderia interessar a outras pessoas. E que haveria leitores a ultrapassar a inicial "inveja" (sentimento que até alguns dos mais chegados não conseguiram ocultar) para se deixar (en)levar (?) pelas histórias contadas por quem aprendeu, ainda mais, a amar a diversidade deste mundo em que vivemos.
O regresso a Portugal remeteu-nos para realidades sobejamente conhecidas deste país -- as burocracias das finanças, por exemplo -- mas também para novos modos de viver (n)este local. A luz de Lisboa parece agora ainda mais radiosa. O fado surge como uma referência inevitável, a sorver com outra predisposição. No fundo, descobrimos um pouco do que é ser-se português -- nas condicionantes positiva e negativa -- enquanto andávamos mundo fora.
Agora estamos cá, por enquanto sem Internet. Como bons portugueses, "desenrascamo-nos" como podemos. Mas existe uma espécie de "dívida" para com as pessoas "anónimas" que entretanto se juntaram à nossa viagem. Ficaram histórias por contar. Ficaram imagens por mostrar.
Penso que ainda não mudámos o "torcer de nariz" aos blogues. Mesmo se tal tivesse ocorrido, agora não teríamos novas "aventuras" a relatar. Além disso, como jornalistas, vamos ter de procurar (re)aproveitar as experiências vividas e recolhidas ao longo deste tempo. É preciso ganhar a vida. Por falar nisso, haverá por aí algum editor escondido entre os leitores anónimos?!? :-)
Ainda assim, a dívida existe. Simplesmente porque não têm preço as mensagens de apoio deixadas por aqui. É preciso retribuir o carinho que sentimos, a milhares de quilómetros de distância, ao ler as frases compostas para nós. Resta-nos tentar, assim que a Internet regressar ao nosso lar, recordar uma ou outra historieta, ilustrada em palavras e imagens.
Até lá, obrigado por nos terem acompanhado. [PMM]

quarta-feira, junho 21, 2006

Hue, Vietname


Hue, Vietname
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A terminar, a geometria do bonsai.

Hanoi, Vietname


Hanoi, Vietname
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A curta angústia do sinal vermelho. Sem carros.

Macau, China


Macau, China
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O melhor bacalhau à brás de Macau (e não só). A ementa tinha os resultados do campeonato de futebol português e respectiva classificação.

Macau, China


Macau, China
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Nunca foi tão fácil encontrar o local desejado.

Macau, China


Macau, China
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Vitória de Setúbal-Benfica. Só podia ser em Macau.

Quioto, Japão


Quioto, Japão
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De yukata num ryokan. Confusos? Também nós estivemos.

Tóquio, Japão


Tóquio, Japão
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Noite chuvosa na cidade do neon.

Hong Kong, China


Hong Kong, China
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Hong Kong: uma cidade com ruas repletas de lojas especializadas. Peixes, pássaros, flores, ginseng...

Quioto, Japão


Quioto, Japão
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Gueixa-time. Apenas em espectáculo, claro.

Hong Kong, China


Hong Kong, China
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Festival de luz e neon na noite de Hong Kong.

Quioto, Japão


Quioto, Japão
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Templo dourado, ex-libris de Quioto.

terça-feira, junho 20, 2006

Tóquio, Japão


Tóquio, Japão
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"Concerto" no parque, sábado à tarde. E os tipos eram bons.

Halong Bay, Vietname


Halong Bay, Vietname
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Aldeia flutuante de pescadores (e não só) na baía de Halong.

Hoi An, Vietname


Hoi An, Vietname
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O Vietname também tem palmeiras.

Ho Chi Minh, Vietname


Ho Chi Minh, Vietname
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Frenética ex-Saigão.

Cameron Highlands, Malasia

Plantações de chá

domingo, junho 18, 2006

Elipse cinematográfica

"No escurinho do cinema,
chupando drops de anis,
longe de qualquer problema,
perto de um final feliz."
Rita Lee

O ecra ilumina-se. Um barco navega no rio Mekong. Tem forma de aviao. Reformulo: a parte superior do barco é a fuselagem de um velho aviao. Estamos no Camboja. Elipse cinematográfica. Estamos num comboio com "focinho" pontiagudo. Tal como um aviao. Chamam-lhe "comboio bala". Estamos no Japao, afinal. E parece que pelo caminho passámos por Bangkok, Singapura, Malásia, Hong Kong e Macau.
Elipse. A fronte nao engana. Parece um aviao. Desta vez é. Estamos a aterrar no aeroporto de Sydney, Austrália. E depois o mesmo cenário, desta vez sem necessitar de elipses, na Nova Zelândia. E no Chile. E na Ilha de Páscoa, final das andanças aéreas. Desde entao as elipses fazem-se com autocarros. Horas e horas de viagens, entre Chile, Peru, Bolívia, Argentina.
Passaram meses desde a viagem de barco que atravessou a fronteira entre o Vietname e o Camboja. Passaram demasiados risos e choros, demasiados deslumbres e dificuldades, para que este "filme" seja mais do que uma manta de elipses. Um repositório de frases sintéticas, de ideias quase abstractas. A memória existe, algumas fotos também. Mas resgatá-las em tempo útil para este local é uma missao verdadeiramente impossível.
Há sensaçoes que levam tempo a descrever. O tempo, também por aqui, é bem escasso e precioso. E, à medida que o fim desta viagem se aproxima, mais sobe a cotaçao do tempo. Como enunciar os arrepios sentidos na prisao do regime de Pol Pot onde morreram milhares de cambojanos? E as maravilhas de descobrir durante três dias consecutivos os recantos dos inúmeros templos de Angkor? A viagem turbulenta até à Tailândia, com passagem surreal de fronteira (mochila às costas à procura do novo transporte). A noite ainda mais caótica em Bangkok, cidade do sexo e álcool. Os templos budistas com estátuas tao douradas que ofuscam. A Singapura moderna, automatizada, pretensamente artificial, que lançou um feitiço sobre os viajantes em forma de festival carnavalesco. A Malásia muçulmana, exemplo de tolerância religiosa, bofetada nas ideias pré-concebidas do Ocidente. A Hong Kong cosmopolita a diferenciar-se do resto da China (que nao visitámos). E a Macau onde ainda se pode comer Bacalhau à Brás, pastéis de nata e encontrar a campa "perdida" de uma bisavó.
E como escrever sinteticamente sobre esse mundo à parte que é o Japao? Onde gueixas vestidas a rigor se cruzam na rua com executivos vestidos a rigor, entre raparigas com trajos de "boneca-Barbie" ou a simples mas provocante farda escolar. Onde templos centenários e arranha-céus modernos comungam espaços em cidades que pertencem tanto ao passado como ao futuro. Onde os caracteres nos sao desconhecidos, transformando o visitante numa pessoa perdida sem traduçao. Tal como no filme de Sofia Coppola.
As elipses prosseguem. Voamos até ao centro da Austrália, imensa regiao de terra vermelha árida, composta por planícies a perder de vista e habitada por aborígenes desfasados do mundo moderno que nao é seu. No meio deste quase nada, a magia de um local sagrado como a hipnótica rocha Uluru, onde o nascer e por-do-sol é sempre diferente. As cidades de Melbourne e Sydney vibram com museus excelentes, arquitecturas excepcionais (que dizer da Opera de Sydney?), bairros artsy onde se come -- finalmente -- de forma deliciosa e se visitam lojas/galerias avant-garde.
A Nova Zelândia recebe o visitante com outro tipo de vibraçoes. Umas plácidas, inerentes à contemplaçao de paisagens de sonho -- quase irreais -- compostas por planícies/vales verdes e montanhas brancas, sempre com vacas, ovelhas, cavalos a comporem o quadro. Outras mais frenéticas: conhecer a forte cultura maori, observar baleias (e uma delas passar por baixo do nosso barco), escalar parte de um glaciar, fazer skydive.
A descida é vertiginosa. Durante 40 segundos que parecem uma eternidade estamos suspensos no ar. O solo aproxima-se rapidamente. O ar fustiga a face. A adrenalina é inebriante. Nova elipse. Lá em baixo as cores mudam. E faltam as ovelhas. Estamos num novo continente. Surgem figuras de pedra, gigantes. Chamam-lhes moai. Saltámos de um aviao na Nova Zelândia e aterrámos na Ilha de Páscoa, no meio do Pacífico. E descobrimos um dos locais mais remotos e enigmáticos da terra. Ou melhor, retiramos parte do mistério às famosas estátuas. Agora tudo é mais claro.
É mais clara a beleza natural do lugar escolhido pelos Incas para construir Machu Picchu. Ou da cidade de Cusco, no Peru, ter sido o centro do império inca. E de que sao formadas as ilhas artificiais flutuantes, construídas pelos Uros no lago Titicaca, massa de água gigante (em dimensao e em altitude) pertencente tanto ao Peru como à Bolívia.
No museu de La Paz aprendemos que o cultivo da folha de coca, preciosa auxiliar na forma de chá para a vivencia a 4 mil metros de altitude, é secular e nada tem a ver, segundo as tradiçoes camponesas, com a droga que se consome nos "vizinhos" Estados Unidos da América e outros países desenvolvidos. Em Uyuni descobrimos o significado de ter frio e ficar com os pés literalmente gelados. Mas também conhecemos a simpatia dos bolivianos e dois "belos" diferentes: um branco, do mar de sal, outro colorido, das lagunas.

A descida dos 4 mil metros de altitude em que vivemos durante semanas é menos vertiginosa. A Argentina (tal como o Uruguai) recebe os visitantes com outro tipo de chá -- mate --, de atitude (mais cosmopolita), e de bife. Troca-se a carne de alpaca pela de vaca e ficamos perante os melhores bifes do mundo. Seja em Salta, Mendoza, Córdoba, Rosário. Ou em Colonia del Sacramento, onde um museu feito de pedra e madeira se preenche de azulejos, cartas de marear, réplicas de naus, estandartes com escudos reais, mostrando que os portugueses também deixaram sementes em terras agora uruguaias. E numa das cidades mais fantásticas da viagem, a alma bem poderia ser lusa. "Mi Buenos Aires querida", cantava Carlos Gardel, com sentimento que nos lembra o fado. Resta acompanhá-lo enquanto se visitam bairros, museus e mitos (a inevitável Evita) ao som do tango.
Os sons agora, neste presente sem elipse, sao outros. Grita-se golo de Portugal. Ouvem-se os gritos de "gol" da Argentina. Como som de fundo estão as cataratas do Iguazu, torrente portentosa de água a cair no abismo, geradora de novas experiências inesquecíveis. As cataratas sao tao grandes que se podem observar a partir de dois países. Por isso, a próxima paragem já se chama Iguaçú, terra de samba. Amanha grita-se gol. Do Brasil. E esperemos que esta viagem, agora quase no fim, possa fechar com novo grito de golo. De Portugal. Se assim for, a elipse será perfeita. [PMM]

sábado, abril 22, 2006

Alice Springs, Australia


Alice Springs, Australia
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tres camelos no deserto australiano

Angkor, Camboja


Angkor, Camboja
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a imagem mais emblematica de um pais a recuperar de guerras e tiranias

Angkor, Camboja


Angkor, Camboja
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despedida com por-do-sol apos tres dias a descobrir templos

Bangkok, Tailandia


Bangkok, Tailandia
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serena face do Buda. deitado.

Bangkok, Tailandia


Bangkok, Tailandia
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Muay Thai: murros, pontapes, musica, apostas, agitacao. gostamos

Doi Suthep, Tailandia


Doi Suthep, Tailandia
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ao largo de Chiang Mai, local de romaria budista (e turista)

Kajuraho, India


Kajuraho, India
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ao pe dos "templos eroticos", sem corar

Singapura


Singapura
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amor ah muculmana

Vientiane, Laos


Vientiane, Laos
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Parque dos Budas. E de outras estatuas

Vientiane, Laos


Vientiane, Laos
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pelo buraco... do templo

Luang Prabang, Laos


Luang Prabang, Laos
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monges budistas na recolha matinal de alimentos

sexta-feira, abril 21, 2006

Mekong: a caminho do Camboja

(dia 25 Janeiro). Temos sorte no guia que nos ira acompanhar pelo Mekong ate ao Camboja. Eh Mr. Son novamente. Visitamos aldeias onde se produzem caramelos de coco (compramos um saco cheio de especimes com amendoim, entretanto ja todos comidos) e arroz tufado (processo que inclui areia preta numa serta ao lume, imagine-se), com metodos artesanais mas tecnicas de marketing modernas: compre 5 leve 1 gratis. Passeamos pelo mercado flutuante de Cai Be com as suas canoas cheias de vegetais, flores, animais, ja distante das horas mais agitadas da manha.
O percurso de barco pelos canais ate ao local do almoco relembra os backwaters indianos de Allepey. A vida das pessoas volta a estar intrinsecamente ligada ao rio. O restaurante escolhido para a refeicao eh apresentado como "tipico" mas o servico e a comida parecem demasiado rotineiros, tipo casamenteiro. Depois do repasto, folclore musical por "amadores" com o guia Son a incitar as palmas e a gorjeta no fim (deu o exemplo e tudo...). Soa a falso.
O regresso ah "real life, real people" apregoada por Son da-se num mercado local, ja em terra, malcheiroso mas repleto de cor e movimento. Na longa viagem de autocarro que se segue vemos plantacoes de flores coloridas, arrozais verdes, casas modestas. O derradeiro capitulo maritimo do dia eh a travessia no ferry que nos deixa em Chau Doc. Tempo para jantar hot pot (marisco e vegetais cozinhados em agua/vapor) ah beira do Mekong acompanhados por um batalhao de mosquitos que quase levam a AV a esgotar o stock de repelente.
(dia 26 Janeiro). A visita ah aldeia flutuante eh ponto alto da excursao. As mulheres remadoras que nos transportam sao as mais simpaticas e genuinas que encontramos no Vietname. Os sorrisos sao francos e a boa disposicao generalizada. Nos turistas que nos acompanharao ate ao Camboja esta um frances, casado com uma portuguesa. Fala portugues e a empatia eh imediata com este vizinho que ate conhece Peniche (tem casa perto das Caldas da Rainha). Na aldeia mostram-nos casas flutuantes que funcionam como viveiros de peixe e como se fabrica a massa que os alimenta. Na dificil entrada e saida dos barcos para as casas, um dos Dupont (nome com que baptizamos dois franceses de barba branca que passam os dias a beber cerveja) cai ao rio e eh resgatado a custo pela remadora. Encharcado ate aos ossos, de novo no barco, Dupont tirita de frio. Helas, a maquina fotografica, mesmo apos o banho, continua a funcionar. Nos passamos a desembarcar com redobrado cuidado.
A excursao termina numa aldeia terrena da minoria Cham, menos "turisticamente poluida" do que os exemplos avistados no Laos ou Tailandia. Despedimo-nos do resto do grupo, do guia Son e da nossa simpatica barqueira e respectivo filho (ate nos fez massagens nos ombros) para entrar num barco a motor, juntamente com os nossos campanheiros de viagem ate ao Camboja. O dito "fast boat" leva o contigente atraves de um Mekong mais agreste e que consegue molhar os tripulantes. Ainda no barco, trocamos os ultimos Dong por Riel, moeda da etapa seguinte. Quando atracamos na fronteira apenas temos moedas suficientes para comprar umas fatias de ananas ao simpatico Lam, menino que brinca comigo as massagens (eu tambem lhe faco uma e peco Dongs pelo trabalho) contagiando o riso por todo o grupo. Agora sim, estamos preparados para o Camboja. Acho. [PMM]

Ho Chi Minh City: a poderosa energia de Saigao

Dia 1. Chegada tardia a Ho Chi Minh City, ex-Saigao. Autocarro cercado por uma imensidao de motos jamais presenciada.
Passeio nocturno pela cidade confirma cidade fervilhante, com os preparativos para o Tet (Ano Novo).
Regressamos ah boa comida. Avistam-se pares de turistas ocidentais com mulheres vietnamitas.
Dia 2. Excursao a Cao Dai e tuneis de Cu Chi. Guia excepcional, chamado Son, contextualiza a evolucao do Vietname atraves de uma analogia: em tempos nao longinquos, o pais vivia numa temperatura de -20 graus. Actualmente, a temperatura subiu para os zero graus. Ja nao esta tanto frio, mas ainda faz frio. O progresso esta portanto a comecar e eh preciso aprender com os "amigos estrangeiros".
Visitamos oficinas dedicadas ah arte da laca, decorada com incrustacoes de madreperola ou casca de ovo, onde os artesaos tem deficiencias fisicas, antes de rumar ao templo de Cao Dai, religiao fundada em 1919 e que agrega elementos de multiplas confissoes (budismo, taoismo, confucionismo, islamismo, cristianismo e hinduismo). O temple evidencia a mistura religiosa, com imagens de Buda, Jesus, Maome, Confucio, tectos estrelados, colunas rosa, e pinturas onde surgem "santos da casa" como o escritor frances Victor Hugo.
Nos tuneis de Cu Chi descobre-se a tenacidade e engenho dos guerrilheiros Vietcong. A rede de tuneis chegou a ter mais de 200 km distribuidos por varios niveis. Na altura da guerra, milhares de homens viviam nestas cidades subterraneas, onde uma deslocacao de poucos km levava varias horas a cumprir. Parte deste labirinto eh agora um parque tematico, com videos panfletarios a exaltar os feitos dos camaradas contra o imperialismo americano, recriacoes da vida nos tuneis, exibicao de armadilhas engendradas pelos vietcong e 100 metros de tunel reconstruido para os mais afoitos percorrerem (nos la fomos e achamos quase impossivel circular -- agachados -- naquele espaco apertado e claustrofobico).
No regresso da excursao tempo para descobrir os segredos de uma plantacao de arvore da borracha e beber agua de coco. A excursao nocturna do dia, ja por nossa conta, coloca-nos no meio de uma cidade em ebulicao: casamentos, bebida, prostitutas, pedintes, artigos festivos do Tet, tudo embrulhado em doses apoteoticas de neons, buzinadelas e barulhos de motor. Saigao (ou Ho Chi Minh, como preferirem) tem 7 milhoes de habitantes. E mais de 3 milhoes de motas, segundo o guia Son.
Dia 3. No War Remnants Museum conhecemos o outro lado da moeda sobre as atrocidades cometidas na guerra do Vietname, como o Agente Laranja (quimicos lancados por bombas norte-americanas que provocaram efeitos devastadores no meio ambiente e seres humanos) ou o massacre de My Lai.
O Palacio da Reunificacao, utilizado pelo presidente Ngo Dinh Diem e sucessores ate ao dia da "libertacao" do Vietname do Sul, permanece intocavel. Os saloes de recepcao, os quartos residenciais e o complexo subterraneo de salas de guerra estao tal e qual como foram encontrados pelo exercito vietcong, em Abril de 1975. Os dois tanques norte-vietnamitas que deitaram abaixo os portoes do Palacio sao as coqueluches do local.
O descanso das passeatas eh feito numa esplanada a saborear gelado de morango de Dalat. Ao jantar, compro um livro a uma das vendedoras que carrega uma pilha de obras locais e grandes bestsellers internacionais. O livro eh fotocopiado e acaba abruptamente numa pagina sem o habitual The End. Entretanto ja o li e parece-me que estava completo. Mas nunca se sabe neste Vietname. [PMM]

Problemas bloguisticos

Como continuar a escrever um blog da forma em que foi iniciado, quando o passar do tempo e das experiencias eh simplesmente demasiado esmagador -- e rico -- para o conseguirmos acompanhar? Esta foi a duvida que desde cedo, logo na India, comecamos a sentir. Fomos fazendo das tripas coracao para manter a nossa promessa, gastando preciosas energias, horas e "moedas", tao necessarias ao prosseguir da propria viagem, para actualizar o blog. A certa altura, fomos alertados de que poderiam ter usado parte da nossa prosa num artigo publicado em Portugal. A hipotese nao se confirmou, felizmente, mas o blog esteve parado durante semanas ate termos essa confirmacao. A verdade eh que agora estamos definitivamente demasiado atrasados. O blog vai no final do Vietname e nos andamos a gastar os ultimos cartuchos da Nova Zelandia... Entretanto, passaram oito paises/destinos.
Ja concluimos que as descricoes longas -- ainda assim abreviadas da realidade vivida -- sao impraticaveis. Por isso, andamos a pensar numa forma de actualizarmos este espaco, que seja mais rapida e, ao mesmo tempo, tenha algo a dizer a quem nos le. A tarefa parece dificil e por enquanto recorremos ao chavao da imagem que vale mil palavras. Esperamos poder continuar, pelo menos, este formato visual. Se alguem tiver uma ideia brilhante que a "emaile". A hipotese que esta a ganhar terreno entre nos, por agora, eh o formato telegrafico. E por falar nisso, aqui vai mais um capitulo do Vietname. [PMM]

terça-feira, abril 18, 2006

Mekong, Laos


Mekong, Laos
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dois dias de barco a caminho de Luang Prabang

Madurai, India


Madurai, India
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pes descalcos a descobrir templos hindus

Mumbai, India


Mumbai, India
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a cidade que viveu duas vezes... ao ritmo do cricket

Orccha, India


Orccha, India
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cores indianas numa terra descoberta com novo amigo catalao (como estas Jordi!?!)

Palolem, India


Palolem, India
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cinco dias no paraiso de Goa

Phnom Penh, Camboja


Phnom Penh, Camboja
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memorias tortuosas nas prisoes de Pol Pot

Phnom Penh, Camboja


Phnom Penh, Camboja
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poeira assassina a bordo do tuk tuk cambojano

Singapura


Singapura
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chingay parade - ano novo chines em Singapura

Singapura


Singapura
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baia rumo ao ceu

Rameswaran, India


Rameswaran, India
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refugio indiano

Varanasi, India


Varanasi, India
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gracas no Ganges sob forma de vela

Vang Vieng, Laos


Vang Vieng, Laos
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rio onde boiamos numa camara de ar...

Camboja


angkor_2
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o autocarro que nos levou ate Bangkok

terça-feira, março 14, 2006

Mui Ne: dunas de decepcao

Apos seis horas de viagem, em que eh necessario recorrer a comprimidos anti-enjoo, chegamos a Mui Ne, localidade costeira famosa pelas dunas de areia branca. Para nao variar, rejeitamos o resort onde o autocarro Sinh termina a marcha (se a proposta de Dalat era cara, a esta faltam os adjectivos). O cansaco acumulado ja eh tanto que decidimos ficar no primeiro sitio que encontramos, apos andar umas centenas de metros com as mochilas as costas. O bungalow, simpatico, ja eh em conta mas conseguimos poupar uns dolares ao prescindir do ar condicionado instalado, processo concretizado pela entrega do comando do aparelho ah recepcionista.
A preparacao para a praia eh rapida. O horizonte de mar azul chama avidamente por nos mas ah medida que nos aproximamos percebemos que o conceito de praia nao eh o mesmo que existe em Portugal. Como areal privativo, o nosso resort propoe um paredao de cimento com cerca de dez de metros, cheio de areia. Ha espreguicadeiras de madeira sem almofadas e dois chapeus de sol, manifestamente insuficientes para a quantidade de hospedes. Descemos uns degraus para a praia verdadeira e deparamos com uma lingua estreira de areia pejada de lixo -- garrafas, lampadas, sacos plastico, pedacos de madeira, isqueiros... -- e uma agua nada convidativa a banhos. O sonho das praias vietnamitas esta decididamente comprometido.
Ainda assim, o corpo eh quem mais manda e nao conseguimos arranjar forcas para nova partida. Passamos dois dias a apanhar sol nas cadeiras do paredao -- sempre que as conseguimos apanhar -- e a adormecer com o barulho das ondas. A ausencia de Internet impede-nos de actualizar o blog como pretendido pelo que ocupamos o tempo a ler (termino a biografia do Marlon Brando) e escrever postais e diarios. Mas sem banhos de mar, e manietados pela ementa limitada do resort e falta de outras opcoes validas por perto, depressa surge a vontade de partir. E mesmo sem o descanso necessario, la estamos de novo num autocarro a caminho de Ho Chi Minh, etapa quase final desta imensa Republica Socialista do Vietname, casa de 82 milhoes de habitantes e uns quantos milhares de turistas. [PMM]

Dalat: a frescura dos "alpes" vietnamitas

Com a consciencia tranquila de termos cumprido em Nha Trang a homenagem ah patrona -- e patrocinadora e mentora -- desta viagem (iniciada pela "iluminacao" ocorrida numa igreja da baixa lisboeta), chegamos a Dalat decididos a descansar entre o ar puro das montanhas. Mas isso so depois de descobrirmos um quarto para deixar as malas, apos rejeitarmos a proposta tiranica do Cafe Sinh: um hotel do mesmo grupo, caro e longe dos restantes alojamentos da cidade. A ladeira que comecamos a subir parece nunca mais terminar. Ja extenuados descobrimos um hotel assinalado no livro-guia. Uma familia vietnamita recebe-nos com um ingles parco, chavenas de cha e sorrisos. Ficamos. E nao desistiremos do quarto nos dias seguintes, mesmo sendo sempre acordados por um galo por volta das 4 da manha. A simpatia gera destas fidelidades absurdas.
O percurso inicial por Dalat revela uma cidade com aspecto de alpes suicos e Paris provinciana. Um lago artificial rodeado de montanhas verdejantes, avenidas bordeadas de canteiros de flores e uma construcao metalica semelhante ah Torre Eyffel criam um ambiente kitsch e diferente do resto do Vietname. A custo encontramos uma galeria de arte excepcional: os quadros que representam paisagens, pessoas, motivos florais, nao sao pintados mas sim bordados em seda. Ao longe a diferenca eh imperceptivel e ao perto a mestria desta arte torna-se auto-evidente. No segundo andar percorremos a oficina onde trabalham as mulheres bordadeiras e o atelier em que artistas tracam os contornos dos desenhos a preencher. A visita guiada inclui um cha de cortesia e eh feita sem pressao para comprar uma destas obras que podem ascender a milhares de dolares e demoram cinco meses a terminar.
Dalat eh realmente uma cidade artistica, estranha, idiossincratica. Comprovamos isso tudo na paragem seguinte, um cafe que funciona na casa de um pintor, poeta, musico local. A conversa que temos com o artista e um escritor amigo ingles sera para recordar/relatar em conversas cara a cara, depois do nosso regresso. Ha momentos tao especiais que merecem ser partilhados dessa forma.
Ficamos convencidos que sera dificil suplantar o primeiro dia em Dalat pelo que recorremos ao auxilio de dois "easy riders". Na manha seguinte la estavam eles: nao o Peter Fonda e o Dennis Hopper mas sim dois guias motoqueiros vietnamitas. Ja com capacete posto e bem agarrados na parte traseira da mota, partimos para um dia cheio de descobertas (palacios reais de Verao, cascatas, mosteiros onde se ensina meditacao zen, estacoes ferroviarias de estilo frances, plantacoes de cafe, "casas loucas" arquitectadas com inspiracoes em Gaudi e Dali) e aventura (um erro de percepcao levou a que nos perdessemos no meio de uma floresta, na unica parte do trajecto feita a pe... mas la encontramos a estrada e esperamos pacientemente pelos nossos "cavaleiros andantes"). As visitas efectuadas ao nosso ritmo -- demoramos o tempo que queremos em cada sitio -- intercalam-se com deliciosos (e frescos!) passeios de mota para criar novo dia memoravel. Gostamos tanto dos "easy riders" que acabamos por jantar quase sempre num simpatico e modesto restaurante -- magnificos hamburgueres de tofu e batidos de morango -- que por acaso funciona como ponto de encontro entre turistas e guias-motoqueiros.
No dia seguinte, o ultimo passeio na cidade eh feito a pe, em redor do lago artificial (e sujo), e ao jardim das flores, parque onde encontramos estufas enormes das magnificas, e ao que parece celebres, orquideas de Dalat. Recuperados pelo ar das montanhas -- mas muito ensonados pelo cantar de galo -- subimos de novo para o autocarro Sinh. A viagem ate Mui Ne leva horas por estradas serpenteantes e eh um balsamo quando conseguimos adormecer. Sonhamos acordar ja no meio da praia, sob o sol do Vietname... [PMM]

domingo, março 12, 2006

Nha Trang: memorias do Apocalipse

A costeira Nha Trang era dos destinos mais ansiados do Vietname. Primeiro devido a um sonho longinquo, ainda no tempo de preparacao desta longa viagem, que envolvia as praias de Nha Trang e uma mae falecida -- os contornos do sonho estarao perdidos algures na memoria. Depois porque surgia como a oportunidade de descansar alguns dias do ritmo frenetico imprimido desde o inicio. Finalmente, porque sobre o Vietname paira sempre a sombra do meu filme favorito: Apocalypse Now.
Chegamos cedo a Nha Trang. Sao seis da manha e o autocarro descarrega os passageiros ensonados no hotel associado. Sem vontade, mantemos a intencao de nao aceitar este bombom (nao diremos envenenado, mas pelo menos mais caro do que o normal). Temos de esperar mais de meia-hora para que a nossa escolha abra portas (a recepcao estava vazia) e depois de cumpridos os primeiros rituais -- pousar mochilas, tomar banho, descansar uns minutos -- estamos prontos para a praia. Mas esta nao esta pronta para nos. A meteorologia da-nos ceu encoberto e aproveitamos a manha para rumar ao templo famoso pela estatua gigante do Buda sentado. Imponente, num branco imaculado, o Buda observa a cidade a partir do topo de uma colina, resplandecendo sob um ceu finalmente azul. Ainda assim, o tom cinza teima em nao nos largar (aqui no blog temos evitado mencionar os momentos maus, as discussoes, mas tenham a certeza que tambem ha disso por aqui... :-) ).
Iniciamos o regresso ao hotel com o intuito de restabelecer a harmonia numa sessao de praia e eh por puro acaso que damos de cara com a catedral de Nha Trang, bastiao cristao em terra distante. A AV diz que as coisas (os desvios da rota, os entraves, etc) costumam ter uma significado qualquer "oculto", mas nunca teve tanta razao como desta vez. Depois de ouvirmos canticos no interior da igreja, deparamos com uma "Maria Madalena" mesmo ao lado de um "Phaolo". Nomes assim inscritos numa parede de lapides que rodeia a catedral. O sonho torna-se realidade atraves deste encontro inesperado.
Depois do episodio, o resto da historia de Nha Trang faz ainda mais sentido. Nada deste destino combina connosco. A cidade, essencialmente feia, parece uma estancia balnear da Tailandia, com bares -- e bebidas e prostitutas -- orientados para os turistas sedentos de alcool e sexo. A praia esta impossivel -- vento, mar encrespado, areia suja, vendedores ambulantes de pulseiras, comidas e massagens a perturbarem permanentemente o descanso -- e as excursoes programadas as ilhas adjacentes para fazer snorkeling parecem impraticaveis. Ainda assim, eh necessario um "enviado" para percebermos que a nossa missao aqui esta cumprida: ao jantar conhecemos uma italiana que decidiu tirar um ano sabatico apos apagar as velas dos 40 anos e nos diz que se vai embora na manha seguinte. Nha Trang esta "off-season", sublinha. Concordamos. Naquele momento decidimos partir na manha seguinte e procurar refugio nas montanhas de Dalat.
Parto mais leve. De tarde coloquei-me nas maos de uma vietnamita. A intencao era que me cortasse o cabelo, com a costumeira maquina zero, mas a especialidade da rapariga nao sera certamente o corte de cabelo. Nunca estive tao perto de ficar sem escalpe. O alivio de sair daquelas maos assassinas transforma-se em ira ao chegar ao quarto. A AV constata que, alem de marcas vermelhas na cabeca, tenho partes ainda com cabelo. A solucao eh passar uma lamina pelo escalpe. Eh a primeira vez que rapo o cabelo assim e quando me vejo ao espelho recordo-me imediatamente do Coronel Kurtz. E lembro-me que ando a ler a biografia do Marlon Brando onde, a paginas tantas, ele refere que rapou o cabelo para as cenas do Apocalypse Now sem consultar o Francis Ford Coppola. Junto Nha Trang, sonho "maternal", filme favorito, cabelo rapado, catedral, e concluo que ha coincidencias mesmo muito coincidentes. [PMM]

sexta-feira, março 10, 2006

Hoi An: a evasao francesa

Se demorassemos tanto tempo a preparar as actividades para um destino quanto levamos a "postar" um novo episodio, ainda deviamos estar no aeroporto da Portela. Nao estamos, e a passagem por Hoi An tem inicio com uma viagem de autocarro cenica, ora junto ah costa, ora entre vales e montanhas verdejantes. As duas paragens dividem-se precisamente por um resort de praia -- onde um gelado nos custa um balurdio e a paisagem de areia-mar nos abre o apetite para tirar uns dias de "ferias" deste viajar constante -- e pelas Montanhas de Marmore, conjunto de cavernas com santuarios hindus e budistas que rejeitamos visitar a correr nos 15 minutos concedidos pelo motorista. Tempo suficiente para compreender o nome dado a este local, pejado de lojas de estatuas (fontes com golfinhos, Davids, Budas, Jesus Cristos, ninfas, bustos de Ho Chi Minh...) e objectos mais diminutos de marmore.
Hoi An eh outra historia. E leva algum tempo a preparar o percurso, ja depois de alojados num hotel gerido por mulheres, que de simpatia extrema passam a descontentamento por nao utilizarmos os prestimos de agencia de viagens que nos impingem. Compramos um inteligente bilhete turistico que permite ao viajante escolher os templos, casas de mercadores e saloes de congregacoes que prefere visitar e ocupamos a tarde com as nossas primeiras seleccoes (uma casa mercantil excepcionalmente recuperada e uma ponte japonesa coberta construida em 1593). Aos poucos, Hoi An revela-se uma cidade com um centro historico excepcional, composto por ruas estreias e edificios de dois andares -- alguns com varandins de madeira -- pintados em cores garridas. Este patrimonio mundial da UNESCO surge como um museu de um importante porto comercial do seculo XVII. Tal como em Hue, a influencia chinesa eh notoria, nos templos, no cha oferecido na casa mercantil visitada, nas lanternas vermelhas que alumiam as ruas. A sorte sorriu-nos e a nossa primeira noite na cidade eh passada entre a animacao do Festival da Lua Cheia, manifestacao que integra espectaculos de folclore e demonstracoes de artes marciais para entreter turistas, enquanto os habitantes se entregam aos seus rituais de queimar dinheiro de papel e oferecer comida aos espiritos dos antepassados. Por entre luzes vermelhas, as unicas acesas durante a noite, experimentamos a delicada gastronomia de Hoi An e os saborosos white rose (gambas enroladas numa massa fresca e cozinhadas ao vapor) tornam-se imediatamente um prato favorito. Ah influencia chinesa junta-se a requintada "joie de vivre" francesa.
Os dias seguintes confirmam que passear por esta cidade eh um regalo. Para a boca atraves do hotpot (marisco, molusco e peixe a cozer/marinar num "tacho quente" aquecido por uma brasa), da Patisserie Hoi An em que se servem delicias dignas de Paris, e pelo jantar divino no Cafe des Amis onde escolhemos um menu de seis especialidades locais confeccionadas por Mr. Kim, cozinheiro e cicerone de eleicao. E porque os olhos tambem comem, deliciamos as vistas pelas lojas de artesoes (alfaiates, sapateiros), souvenirs, e pelo mercado onde peixeiras posam para a fotografia antes de estenderem a mao a pedir dinheiro. Hoi An tem tanta vitalidade e encanto que ofusca completamente a excursao feita a My Son. Talvez por termos encontrado magnificas construcoes de estilo semelhante na India, as ruinas Cham datadas do seculo VII (e ruinas eh mesmo a palavra acertada), nao conseguem impressionar. O passeio de meio-dia a este patrimonio UNESCO, liderado por um guia extrovertido cheio de piadas decoradas e que comanda o batalhao de turistas ao som de "Camon Tiger!", acaba por ter um resultado adverso: comecamos a ficar fartos desta sucessao de excursoes que nos facilitam a vida (em termos logisticos e economicos pois esta tudo tratado e eh mais barato do que fazermos as mesmas coisas autonomamente) mas impoem ritmos e companhias que nem sempre agradam.
Nao nos cansamos eh dos Tiramisu e Black Forest da Patisserie. E la voltamos ah esplanada banhada de sol para passar as ultimas horas nesta cidade onde o ar cheira a Paris. Daqui a breves horas, o ar a circular sera diferente, mais aspero, agreste e condicionado. Pouco depois de acabar a ultima garfada, subimos para o autocarro do Cafe Sinh. Pela frente, nova viagem de 12 horas, noite dentro, ate Nha Trang. Desta vez levamos sandes na mochila... [PMM]

sábado, fevereiro 25, 2006

Hue: celebrar a morte em vida

Chegamos a Hue as sete da manha. O esquema destes autocarros "open-tour" que proporcionam viagens a precos muito em conta eh terminarem o trajecto junto de um hotel filiado/associado. Tendemos a evitar estas propostas "impostas". Preferimos por as mochilas as costas e procurar um pouso diferente, mesmo que pareca uma bencao ter um quarto ah nossa espera apos 12 cansativas horas de viagem.
Desta vez andamos pouco ate encontrar um alojamento aceitavel e com Internet gratuita. Tomamos um pequeno almoco sofrivel (o cafe aqui eh doce, algo intragavel para quem o costuma beber sem acucar) e rumamos ah citadela/cidade purpura proibida de Hue. O complexo de edificios construido a partir de 1804 pelo imperador Gia Long perdeu grande parte da imponencia devido aos bombardeamentos norte-americanos durante a Guerra do Vietname. As paredes resistentes pertencem a saloes cerimoniais, aposentos de concubinas e eunucos, palacio do imperador, entre outros espacos munidos de requintadas decoracoes. A rodear estes edificios encontramos vastidoes de mato que, juntamente com os trabalhos de restauro que parecem eternizar-se noutros edificios, transmitem um ar de abandono. Sentimos pena de nao conhecer este complexo no seu auge arquitectural mas resistimos estoicamente ah hipotese de regressar ao passado atraves das coloridas e "ricas" roupas chinesas disponiveis para alugar. Mas ha quem as vista e depois tire fotografias "imperiais". A primeira tarde em Hue eh ocupada com a procura de um restaurante e dois templos. O local escolhido para almocar fechou e nao descobrimos, por incrivel que pareca, nenhuma alternativa no bairro onde estamos. Resolvemos "despachar" os templos para regressar ao nosso hotel e comer. Acontece que o mapa do nosso livro-guia tem outros planos e o que parece perto e facil revela-se longe e complicado. Seguimos numa estrada ao longo do rio ate que, sem perceber bem como, nos vemos ah beira dum bairro de lata flutuante. Nos barcos atracados na margem constata-se miseria. Ah medida que avancamos surgem no nosso caminho deficientes, velhos, criancas. Apos suplantarem a surpresa de ver turistas a pe por aqueles sitios, pedem-nos esmola. Um miudo bate-me nas costas e foge depois de nao lhe darmos dinheiro. Comeco a sentir que a minha camara fotografica da demasiado nas vistas e eh um alivio quando encontramos o primeiro pagoda. Nos jardins de Dieu De, monges meditam enquanto rapazes e raparigas com fardas de liceu metem conversa connosco. Insistem para eu lhes passar a camara para as maos (a fim de nos tirarem uma foto?). Nao o faco, saimos do local e, teimosamente, continuamos a nossa caminhada desconhecido adentro, ate concluirmos que eh melhor voltar para tras. Famintos, suados e cansados, mas ja em terra "segura", juramos nao confiar mais em mapas minusculos onde tudo parece simples.
No dia seguinte, regressamos as excursoes organizadas para visitar os mausoleus reais nos arredores de Hue. A viagem eh feita ao longo do Rio Perfume -- sim, novamente -- num Barco Dragao. O caminho eh aproveitado pelas tripulantes (todas mulheres, com a excepcao do rapaz-piloto) para sessoes de vendas: estatuetas, pinturas em seda, postais, roupas... O grupo mostra-se pouco permeavel e direcciona a atencao para a paisagem. O dia esta finalmente radioso. Na margem distinguem-se chapeus conicos a trabalhar a terra. Na agua deslocam-se barcacas cheias de areia dragada por mulheres (tal como na India, cabe-lhes executar grande parte do trabalho pesado).
Paramos no Thien Mu, pagoda construido em 1601. Alem dos templos, a atencao centra-se nas criancas a tratar dos bonsais que embelezam os jardins. Fingem-se alheias aos movimentos dos turistas que tentam captar "A" fotografia da viagem, mas la acabam por posar... O tempo eh escasso para nos perdermos no imenso complexo. A ansia de mais uma foto -- nao obrigatoriamente das criancas -- faz com que seja dos ultimos a chegar ao barco, situacao que se ira repetir ao longo do dia (contrariamente ao que eh costume). Simplesmente porque os mausoleus revelam-se, um apos outro, magnificos complexos de templos, palacios, tumbas, espacos de lazer. Idealizados pelos imperadores da dinastia Nguyen, parecem mini-cidades criadas para o deleite dos monarcas em tempo de vida, alem de moradas faustosas para os corpos defuntos. Lagos e florestas rodeiam as belas e imponentes construcoes, solicitando contemplacoes e deambulacoes demoradas. Nada disso eh possivel, com grande pesar nosso. A unica altura em que o ritmo acelerado eh bem vindo acontece nas viagens de moto entre a margem do rio e dois dos mausoleus. Mal atracamos ja nos esperam dezenas de motoqueiros, femininos e masculinos, que apos comunicarem o preco de ida e volta nos convidam a saltar para o banco da mota e a nos agarrarmos bem. O vento a bater na cara afugenta o calor e promove uma sensacao de liberdade. Ah qual eu resisto, nao abracando a minha condutora conforme os incitamentos dos motoristas masculinos...
Apesar das velocidades indesejadas, a excursao aos mausoleus acaba por tornar a passagem por Hue ainda mais justificada. Eh com o sentido do "dever" cumprido que preparamos nova etapa: Hoi An. [PMM]

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Hanoi: a cidade vermelha

As ultimas horas passadas em Hanoi, capital do Vietname, alteram a cor da cidade. O branco continua a marcar o ceu, mas eh o vermelho quem mais ordena nas ruas. Primeiro mascarado no bronze da estatua de Lenine que ainda nao caiu, como aconteceu noutras paragens do mundo ex-comunista. Depois no mausoleu de Ho Chi Minh, complexo de edificios onde pontificam bandeiras vermelhas, ora comunista, ora vietnamita. Percebemos que a visita ao Tio Ho, fundador da nacao, sera um momento solene. E caricato. Na fila para o detector de metais a confusao instala-se sobre o que se pode ou nao se pode levar para o mausoleu. Pessoas voltam atras para deixar sacos, depois "arrependem-se" e tentam reave-los; uns conseguem, outros nao, sem que se entenda qual a norma aplicavel. Nos acabamos por deixar os nossos pertences no "bengaleiro" e eh de maos nos bolsos que rumamos ah entrada da tumba. Um guarda apressa-se a "ensinar" que maos nos bolsos eh proibido. Fotografias nem se fala, mas as camaras todas, supostamente, ja ficaram retidas. Assumimos a posicao mais reverencial que nos lembramos (bracos colados ao tronco, costas direitas, olhar taciturno) para circundar a redoma que contem o corpo de Ho Chi Minh. O "quadro" eh estranho: o Tio Ho parece um boneco de cera -- iluminado artificialmente de uma forma que oscila entre o macabro, o ridiculo e o iconico -- guardado por soldados-estatua. A romaria eh rapida pois nao podemos parar o que concede tempo para espreitar o Museu de Ho Chi Minh (nao queria gastar o nome do homem mas ele esta por todo o lado), onde interpretacoes artisticas dos pensamentos/ideologia comunista partilham o espaco com objectos pessoais do lider revolucionario. A amalgama eh esquisita mas garante ao Museu uma qualidade incontestavel: nunca vimos nada igual.
O mesmo se pode aplicar ao Museu de Etnologia visitado durante a tarde (depois de andarmos horas/quilometros perdidos pela cidade, sem mapa, a tentar ir parar ao dito cujo, situacao resolvida pela AV com recurso a um autocarro local...) e que acaba por justificar a nossa opcao de nao ir a Sapa, aldeia nas montanhas povoada por tribos de minorias etnicas. O espolio do museu integra videos, objectos originais, reproducoes, textos explicativos, sobre os mais variados dominios -- instrumentos musicais, utensilios agricolas, vestuario, habitacoes, rituais sociais e religiosos -- da vida das minorias etnicas existentes no Vietname. Leva horas a percorrer esta imensidao de informacao que produz uma ideia ampla e rigorosa da riqueza etnografica deste pais e que dificilmente seria entendida nos mercados para turista ver (e comprar) em Sapa.
A noite chega e Hanoi tinge-se ainda mais de vermelho. Sao os stops das motos, os anuncios de neon, as lanternas chinesas. Despedimo-nos da cidade -- e da regiao Norte do Vietname -- com compras no mesmo tom (uma Tshirt, um bone) e a compra de um bilhete de autocarro no Cafe Sinh verdadeiro.
O comeco do trajecto ate Hue esta marcado para as 19 horas e so na manha seguinte chegaremos ao destino. O livro-guia avisa que esta forma de viajar -- nos autocarros para turistas -- impede o contacto com o Vietname real mas preferimos jogar pelo seguro nesta etapa inicial, ainda por cima tao longa. Chegamos cedo ah "sala de espera" que consiste nas mesas de um cafe (que nao eh Sinh...) decadente. Porque quem vai ao mar alivia-se em terra, rumamos ao WC do cafe. Comeca mal a viagem, pois eh a pior experiencia higienica desde que iniciamos esta aventura. Nem na India encontramos algo tao sujo.

A hora da partida aproxima-se e as mesas enchem-se de passageiros. Todos vietnamitas. Ja no autocarro, constatamos que alem de nos, apenas viajam mais dois pares de turistas ocidentais. Afinal, este eh mesmo um autocarro "local". Assim que o veiculo arranca, dois ou tres vietnamitas comecam a colocar colchoes, mantas e almofadas no corredor. Sao os motoristas que farao o resto do percurso e que agora tem de dormir. O andamento faz-se em grande velocidade, com acompanhamento permanente de buzinadelas. Pela janela observamos os campos cultivados, iluminados pelo luar. So perto da meia-noite eh que o autocarro sossega da sua marcha desenfreada. Descida em passo acelerado dos passageiros que se dividem entre a mijinha no terreno baldio e o sentar-se nas mesas do restaurante de beira de estrada. Finalmente podemos comer.
Mas nao ha menu. Em cima de uma bancada, estao expostos os petiscos disponiveis. Tripas, miolos, chouricos e carnes suspeitas, entre outras "iguarias" que nao conseguimos decifrar. Na parede oposta, outro balcao, com frascos de liquido transparente onde nadam lagartos e serpentes (mortos). Compramos pao, sem nada, para espanto da senhora que nos atende. Nem vai um caldinho de iguana, parece dizer? Nao obrigado. E comemos o pao seco como se fosse a melhor sande do mundo. [PMM]

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Halong Bay: a mae de todas as excursoes

Deixamos propositadamente Halong Bay para o final das excursoes planeadas. As viagens anteriores tinham a funcao de servirem tambem como um teste as agencias de viagens escolhidas. Sem mais "cartuchos" para gastar, voltamos a arriscar um tiro no escuro, ou seja, seleccionar um operador turistico com base no instinto. Como o clima teima em manter-se nublado, optamos por uma excursao de um dia, obviamente curta para apreciar devidamente este patrimonio com chancela da UNESCO. Sabemos, no entanto, que o tempo frio impediria os banhos de sol e de mar "anunciados" em todos os folhetos. A viagem de autocarro que nos leva a Halong Bay provoca boas impressoes: a guia fala um ingles bastante aceitavel e o grupo parece animado. Chegados ao porto onde centenas de barcos, grandes e pequenos, esperam ansiosamente por turistas, somos divididos por subgrupos consoante os dias de excursao. Ja no nosso "galeao" de one-day-tour, bastam poucos minutos para se instalar o bom ambiente, em grande parte devido a um comunicativo norte-americano, tambem a fazer uma volta ao mundo (o que o levou a passar por Lisboa), que se encarrega de fazer a ponte entre os excursionistas. Demorou um pouco mais de tempo a apreciar a beleza de Halong Bay, conjunto de cerca de 2 mil ilheus espalhados pelo golfo de Tonkin. As formacaoes rochosas que emergem da agua dispersam-se por diferentes tamanhos e assumem formas peculiares (o simbolo de Halong Bay sao dois monolitos que parecem galos a lutar). Alem da passagem pelos ilheus, a navegacao tem paragem numa das ilhas de maiores dimensoes, onde visitamos duas grutas em que as estalagtites e estalagmites assumem formas e proporcoes esplendidas, embora nem sempre com os significados mirabolantes e rebuscados que os guias tentam impingir. As iluminacoes artificiais dao um toque colorido e surreal as cavernas.
O almoco eh servido a bordo enquanto estamos atracados perto de uma aldeia piscatoria de casas construidas na agua. Saltamos para uma das construcoes assentes em estrados de madeira para observarmos uma especie de fastfood marisqueiro (ve-se o marisco/peixe nos viveiros, escolhe-se, paga-se e espera-se que seja cozinhado). Ao largo da nossa embarcacao, avistamos um pequeno bote cheio de miudos. Aproximam-se e pedem dinheiro. E nao deixam de pedir. Depois tentam abordar o barco. Sao rufias, mas nao sao miudos da rua porque vivem no mar. Regressam a casa depois de fazerem gestos atrevidos sobre a AV (sem ela ver). Um cao espera-os na plataforma de madeira que forma o cais da habitacao. O animal eh arrastado para dentro de casa. Seguem-se ganidos intensos. Depois um silencio desolador. Nao voltamos a ver o cao.
No regresso da excursao, a conversa flui no tombadilho entre um casal portugues (sim, nos), um par composto por um irlandes e uma belga (tambem numa grande viagem que tinha em comum a passagem inicial pela India) e um dos guias da excursao. Fala-se de varios assuntos e tambem do cao. O rapaz confirma que pode bem ter sido morto. A carne de cao eh uma iguaria no Vietname, sendo comum a existencia do "petisco" em dias festivos. Ate pode acontecer que, por uma ocasiao especial - como receber a visita de familiares - se mate o cao da casa para compor a mesa... Enquanto os ocidentais expressam a sua tristeza pelo destino dos "pobres" animais (no fundo, percebemos que eh uma questao cultural mas esta eh daquelas que nos custa a digerir...), o guia vietnamita solta uma gargalhada franca e contagiante enquanto diz "Vietnamese eat everything!!!"
Nos nao e depois de satisfeita a curiosidade sobre Halong Bay, maravilha plenamente confirmada apesar do dia cinzento, a noite em Hanoi eh adocicada pela descoberta duma geladaria frequentada por jovens (e respectivas motas) locais e sem menu em ingles. Pedimos um cone de "cocoa" que parece suficientemenre parecido a cacau. Delicioso. O segundo cone, ja munido de respectiva bola de gelado, eh comprado sem perceber o sabor em causa. Volta a agradar, justificando plenamente a afluencia dos adolescentes. O trajecto para o quarto, apesar de uma Hanoi friorenta e ja meio deserta, eh saboroso. E provoca a vontade de voltar um dia, mais solarengo, a esta cidade. Para repetir a dose de gelados e descobrir novos cambiantes de Halong Bay. [PMM]

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Hoa Lua/Tam Coc: novo capitulo do MMA*

Apesar da insatisfacao com a agencia de viagens seleccionada, ou melhor, com o guia que nos calhou, vamos ao mesmo Sinh fajuto para marcar nova excursao, desta vez a Hoa Lua, antiga capital real do Vietname, e Tam Coc, dita a Halong Bay dos arrozais. Antes da comprar os bilhetes, certificamo-nos que nao sera o mesmo guia a liderar a excursao. Garantem-nos que nao. No dia seguinte, constatamos que nao eh, de facto, o mesmo rapaz, embora o resultado seja semelhante: pouco ou nada se entende do ingles macarronico falado pelo guia.
Fazem falta as explicacoes para entender os significados de Hoa Lua, cidade edificada durante as dinastias Dinh e Pre-Le (969-1009). Pouco resta do esplendor de outrora; um pagode eh a construcao que melhor resistiu ao passar do tempo. Temos de nos "encostar" ah excursao do lado e ouvir o respectivo guia para entender que ate a orientacao das estatuas tem os seus segredos, neste caso a representacao da mulher do imperador morto que, ja casada com o imperador sucessor, teve que assistir ah sua estatua ser colocada de costas para o mausoleu do marido defundo. Nao se fosse pensar que ela tinha saudades dele...
A excursao prossegue ate Tam Coc (Tres Grutas), em pleno rio Ngo Dong. Na margem esperam-nos mais mulheres-remadoras. Cada barco inclui mais uma pessoa alem da "capita de bordo" (nuns casos outra mulher/rapariga, noutros um rapaz) que pega num pequeno remo e ajuda ah navegacao. A paisagem eh mais bonita do que a avistada no rio do Perfume mas o ceu nebuloso volta a evitar grandes deslumbramentos. A passagem por debaixo das famosas grutas acaba por ser o momento significante do passeio. A luz do sol desaparece gradualmente ao mesmo tempo que o tecto se aproxima do nosso barco ao ponto de nos obrigar a inclinar a cabeca. Ressurgidos da escuridao, volta a visao dos pescadores no rio, dos camponeses nas margens e dos monolitos de pedra que compoem a silhueta do horizonte. Mas nenhuma excursao de barco no Vietname fica completa sem uma rabula. Desta vez, temos direito a duas. A primeira acontece quando paramos brevemente para descanso da remadora e, pensamos, para apreciarmos a vista. Um novo barco acerca-se rapidamente do nosso e impede a contemplacao recem-iniciada. A remadora-vendedora quer vender snacks e bebidas em lata. Inicialmente a nos, turistas certamente sequiosos (apesar do frio de rachar). Depois de dizermos que nao, avanca o plano B: temos de comprar bebidas para a nossa remadora, desgastada do esforco de nos transportar. Vemos outros turistas comprar Coca-Colas para as suas remadoras, mas as latas sao colocadas fechadas atras do banco do barco (mais tarde regressarao certamente ah embarcacao da vendedora de snacks...). A segunda rabula revela o intuito de uma segunda pessoa em cada barco. Afinal nao eh para ajudar no remar, mas sim para - ja no regresso - retirar bordados de um saco de plastico e tentar vende-los ao turista. Este eh o esquema mais perfeito a que ja assistimos. Com o vendedor(a) ja no barco, nao ha forma de escapar ao assedio ate ao final da viagem (mas nao foi por isso que tiveram mais sorte connosco...).
A excursao termina com duas novas licoes. Licao um: nunca esperar conhecer todos os estratagemas de venda usados no Vietname: ha sempre um que nos consegue apanhar desprevenidos. Licao dois: deste Sinh cafe "falso" nao se pode esperar melhor. O que vale eh que ha muito por onde escolher... [PMM]


* (Manual do Marketing Agressivo...)

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Perfume Pagoda: fe no cimo da montanha

As ruas de Hanoi estao pejadas de cafes que funcionam como agencias de viagens. Eh complicada a tarefa de escolher um deles para marcar uma excursao. Embora as propostas sejam praticamente todas semelhantes, o resultado final pode ser bastante diferente. Recorremos inicialmente ao nosso livro-guia para nos orientarmos neste emaranhado de agencias, mas depressa constatamos que os locais sugeridos apresentam pacotes demasiado pesados para o nosso orcamento. Com base no instinto, decidimo-nos por um dos varios estabelecimentos que ostenta o logotipo Sinh -- originalmente um cafe/agencia de Saigao --, situado perto do nosso hotel. Como leremos mais tarde, nao existe uma legislacao que impeca diferentes empresas de utilizarem os mesmos nomes e ate os mesmos logotipos. Face a esta lacuna legislativa, eh certo e sabido que quando um restaurante (ou uma agencia) se torna famoso, rapidamente surgem inumeras copias que utilizam a mesma denominacao e imagem.
Na manha da excursao somos levados ate ao escritorio de uma tal de Open Tour Travel. O Sinh Cafe escolhido nao eh mesmo o original. A AV protesta mas como a excursao esta paga e nao nos apetece "perder" um dia, cedemos ir ao Perfume Pagoda acompanhados por um guia cujo ingles mal se percebe. Depois de uma viagem de autocarro, chegamos ao Rio do Perfume. Enxames de remadoras, novas e velhas, esperam os turistas em barcos achatados. Mulheres-fotografas disponibilizam-se a acompanhar os viajantes para registar em imagens este passeio ao longo de um rio calmo, ladeado por pequenas elevacoes rochosas. O dia continua cinzento e frio pelo que apos o desembarque sabe bem o inicio do trekking acelerado, mas o agradavel rapidamente se torna infernal, com o ritmo desenfreado imposto pelo guia a so ter descanso em bancas de bebidas previamente combinadas. Quatro quilometros apos o desembarque, numa gruta no cimo da montanha Huong Tich, falta tempo para descobrir os meandros de um dos templos mais importantes do Vietname, local de peregrinacao budista. Os altares evidenciam novamente a mistura de influencias que compoem a "tripla religiao" em voga no Vietname, derivada do budismo mahayana, taoismo e confucionismo.
Apos uma descida que nos faz passar mais uma vez em ritmo vertiginoso por inumeras bancas onde nos "oferecem" bebidas em lata, comida e ate poltronas para descansar enquanto se ve um video-CD, almocamos comida viet numa mesa corrida. O grupo de turistas com que viajamos nao eh muito comunicativo pelo que a interaccao se resume a sorrisos de circunstancia e pedidos para passar o molho de soja, enquanto a AV continua a sua luta (ainda por ganhar) para domar os pauzinhos chineses. A excursao contempla ainda uma visita rapida pos-almoco ao complexo labirintico de templos que compoem o Perfume Pagoda - sem explicacoes do guia... Perco-me da AV enquanto me aproximo dos gritos humanos estridentes que ecoam pelo ar. De repente, deparo com um vetusto monge, de barba longa e branca, que se encaminha vagarosamente para a sua habitacao. Regresso ao convivio dos restantes turistas para encontrar a AV preocupada e farta de uma irritante suica com a mania de contrariar tudo aquilo que dizemos. Consigo arrancar do guia que o homem avistado eh um dos monges mais considerados do Vietname e que o Perfume Pagoda eh a sua casa. De novo no barco, apreciamos pescadores na faina a largarem pequenas cestas no rio. Nas margens, la estao as impressionantes formacoes de monolitos de pedra, caracteristicas da regiao. Terminado o percurso, nenhum dos quatro ocupantes do nosso barco tem trocos para dar a gorgeta ah remadora, tal como o guia nos tinha ordenado (nem sequer foi uma sugestao, o que nos irritou ja que o folheto da excursao referia que estava TUDO incluido menos as bebidas...). Afastamo-nos da margem pedindo desculpas mas os queixumes nao se fazem esperar. E durante centenas de metros conseguimos ouvir os gritos da remadora, descontente com os "clientes" que lhe calharam.

No Vietname, como constataremos cada dia da nossa estada, um dia nunca acaba quando se pensa e, apesar do cansaco da excursao e da viagem de autocarro que nos coloca em Hanoi, decidimos aproveitar a existencia de bilhetes suplementares para o espectaculo de marionetas de agua a que tentaramos assistir no dia anterior (estava esgotado). Nesta arte desenvolvida devido aos efeitos da moncao, as marionetas movimentam-se numa pequena piscina. Os bonecreiros, com agua ate ah cintura, estao ocultos pelo cenario. As historias e lendas representadas em accoes rapidas, acompanhadas pelos sons de uma orquestra e falas em Vietnamita, criam um universo infantil que diverte sem arrebatar. O arrebatamento estava guardado para o jantar no Little Hanoi (existem dois com o mesmo nome/placa, na mesma rua...) onde os lombinhos de atum agri-doce e as gambas com caju deliciam o paladar sem a bateria de condimentos/especiarias de outras gastronomias. Saboreamos o resto da cerveja no aconchego do restaurante, antes de sairmos para as ruas apertadas do velho bairro, onde a vida decorre, como habitualmente, num fremito de agitacao e de convivio. As lojas, os hoteis, os cafes, bares e restaurantes, os sitios de Internet, ocupam os espacos terreos dos edificios e, se o frio nao for muito, escancaram as suas portas (sao raras as portas fechadas). No Vietname, vive-se (n)a rua, seja num banquinho de plastico disposto no passeio ou encostado ah motocicleta parada quase no meio da estrada. [PMM]

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Hanoi: a cidade branca

O despertar faz-se de madrugada. Malas feitas, escadas descidas, encaramos o funcionario a quem anunciamos a nossa partida. Percebemos que nao fica contente. O negocio nao esta em passarmos uma noite num quarto barato, mas sim em estadas prolongadas, entrecortadas pelas excursoes propostas. Tento pagar a conta de sete dolares mas o troco que o rapaz me pretende dar na moeda local (Dong) eh calculado a um cambio manifestamente errado. Resgato a nota de dez dolares, afirmo que afinal pago em Dongs, mas ao cambio dele. A confusao instala-se. O rapaz comeca a esbracejar enquanto vocifera um "You make me angry!!!". Peco-lhe para se acalmar enquanto a AV lhe relembra o episodio da agua... e que talvez devessemos chamar a policia. Contrariado, aceita o pagamento em Dongs, no cambio correcto e justo. Saimos do hotel-pesadelo para as ruas cinzentas de Hanoi. O ceu encoberto, juntamente com o sucedido, nao permite que as cores locais sobressaiam. Mas ah nuvens que nao conseguem tapar a beleza de certos sitios. E, nos dias seguintes que iremos passar em Hanoi, ja instalados num hotel familiar onde o quarto eh pior mas a simpatia e a seguranca maiores, descobriremos uma cidade com brilho.
Desdobramos o mapa para nos abeirarmos do Museu das Mulheres. Pelo caminho fazemos ouvidos moucos aos insistentes convites dos condutores de riquexo e mototaxi ("Where you go???" eh a frase mais ouvida). O museu eh um tributo ao espirito aguerrido da mulher viet, seja em tempo de conflito ou de paz. Percorrido e magnifico espolio espalhado por tres andares, fica-se com a sensacao de que a sociedade vietnamita eh obra exclusiva da classe feminina. O unico homem nao obliterado eh Ho Chi Minh, retratado em varias fotografias que o colocam, em poses de "pai-mentor", entre dezenas de raparigas e mulheres. Mas a (omni)presenca do Tio Ho estende-se as ruas e, inclusive, as nossas carteiras. O rosto de Ho Chi Minh surge em cartazes, tshirts e em todas as notas de Dong.

No caminho para o primeiro de muitos pagodas, a bandeira do Vietname (estrela amarela sob fundo vermelho) torna-se outra presenca constante, volta e meia acompanhada da tradicional bandeira comunista com a foice e o martelo. Estamos efectivamente numa Republica Socialista, mas respira-se um ar de abertura ao mundo, patente nas lojas de marcas ocidentais que partilham paredes com o comercio tradicional. As estradas estao infestadas de motas e "perdemos" tempo simplesmente a ver/fotografar o fluir do transito, numa mistura intensa de cor, som e movimento. A poluicao que procura alojar-se teimosamente nos nossos pulmoes, impele-nos para novos destinos. Encontramos guarida no pagoda do Lago Hoan Kiem, repleto de influencias chinesas (estatua de Confucio, caracteres em faixas e paredes), japonesas (bonsais), e viets (arquitectura), onde os sentidos sao confundidos pelo cheiro a incenso e por altares repletos de oferendas/objectos simbolicos. No magnifico Templo da Literatura, intrincado de construcoes com significado filosofico-espiritual, temos direito a um espectaculo gratuito de musica tradicional. As notas arrancadas pelos artistas aos estranhos instrumentos dispostos no palco contribuem decisivamente para apagar os efeitos da ira matinal do nosso anfitriao vietnamita e a lembranca do ceu cinzento que, la fora, ameaca constantemente desabar em catadupas de agua. E percebemos que serao momentos de descompressao como este que nos irao ajudar a domar este aguerrido "tigre" asiatico. [PMM]

Vietname: o tigre da Asia

A decisao de voarmos pela Vietnam Airlines em detrimento da pouco auspiciosa Lao Air nao evita que sejamos apresentados a um aviao que parece demasiado pequeno. A aeronave eh perfeitamente suficiente para uma viagem tao curta (pouco mais de 1 hora), mas os ultimos voos que efectuamos deixaram a impressao de que os avioes sao todos grandes, gigantes, jumbos... Somos recebidos por hospedeiras de bordo vestidas com uma tunica vermelha, cor com que nos habituamos a conviver durante a travessia do Laos. O voo decorre sem sobressaltos ah excepcao do casal ocidental, sentado nos lugares ah nossa frente, que deu a toda a cabine uma demonstracao ao vivo de um par apaixonado (?), exibicionista e embriagado.
A entrada em solo vietnamita faz-se atraves de um aeroporto moderno que, espero, servirah de uma vez por todas para acabar com a ideia de que estes paises mais "exoticos" sao todos subdesenvolvidos. Os efeitos da India, concluo, demoram demasiado tempo a esvair-se. Passado o controlo do passaporte no qual a AV fica algum tempo retida por nao ter um destino/hotel concreto escrito na folha de entrada (eu tambem nao tinha e nao mo pediram), admiro a ordem do aeroporto enquanto espero que as mochilas aparecam no tapete rolante. Por essa altura ja um rapaz se acercou da AV para lhe mostrar discretamente um folheto de hotel. Exactamente o mesmo alojamento que tinhamos declinado numa abordagem feita ainda no aeroporto do Laos. O certo eh que este marketing inter-nacoes da bastante jeito. Aceitamos ir ver o hotel proposto e somos transportados para a cidade num carro confortavel, por um preco inferior ao que pagariamos se utilizassemos os meios de transporte locais. O servico VIP prossegue com o quarto que nos eh apresentado. TV, casa de banho, cama, quarto, servidos em doses gigantes. Praticamente uma suite -- com frigorifico recheado de aguas, cervejas e colas -- tendo em conta os standards a que estamos habituados.
"Nem tudo o que reluz eh ouro", "o barato sai caro" e por ai fora devem estar a dizer. E com razao. O regresso aos tempos aguerridos do Norte da India inicia-se com o valor pedido pelo quarto, superior ao que nos tinha sido indicado pelos "agentes" em qualquer dos aeroportos. Levamos a nossa avante mas mal descemos para ir jantar somos apanhados por uma senhora que comeca a disparar excursoes e bilhetes e viagens por todos os poros. Quando conseguimos escapar ja vamos com a certeza de que a nossa estada ira ser complicada... Mas talvez nao tanto como atravessar uma simples rua. Aqui no Vietname as motos sao ainda em maior numero do que na Tailandia. E nao param - nem sequer abrandam! - para deixar os peoes passar. A solucao, aprendida a custo e a medo, eh simplesmente comecar a atravessar, num passo lento mas decidido, e nao ceder ah tentacao de parar a meio do caminho, sejam la quantos forem os veiculos de duas rodas que se aproximem ameacadoramente. Simplesmente olhamos determinados para os condutores e confiamos que estes ases da estrada orientarao as respectivas rotas em conformidade com todos os movimentos que entram nesta dificil equacao.
Poderia bem ter sido em vao esta aprendizagem rapida de como atravessar uma rua em Hanoi se, regressados ao quarto, a AV nao reparasse que as garrafas de agua, embora de diferentes marcas, tinham selos iguais. Uma inspeccao pormenorizada revela que todas as garrafas estavam abertas e que os selos eram, portanto, falsos. A ingestao daquela agua, certamente da torneira, poderia causar-nos problemas de saude. O sonho da suite desmorona-se por completo. Ainda por cima, a grande TV apenas conseguia sintonizar um unico canal... Percebemos que, neste Vietname, voltaremos a precisar dos sentidos em estado de alerta. Antes de apagarmos a luz para descansar de um dia cansativo ja tomaramos a decisao de nos levantarmos cedo para procurar novo pouso. [PMM]

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Vientiane: entre o sublime e o surreal

No primeiro dia de 2006 comprometemos o nosso orcamento semanal e aprendemos uma licao: o dia 1 de Janeiro nao eh o melhor para viajar. Chegamos a Vientiane -- capital do Laos -- e todas as guesthouses estao cheias. Os quartos que nos mostram sao escuros e bafientos e nos achamos que neste dia festivo merecemos melhor. Para isso, temos que gastar mais do que previsto em alojamento. Optamos por um local cheio de cor e madeiras escuras, televisao (com canal de desporto para deleite do PM) e casa-de-banho com azulejos de vidro. Um verdadeiro luxo depois da viagem que fizemos apertados num suposto VIP bus, partilhado com tres simpaticos brasileiros de S. Paulo.
No dia seguinte a festa continua em Vientiane. Eh feriado nacional e algumas pessoas comemoram nas ruas o Ano Novo. Ah porta das casas comem, ouvem musica e bebem cerveja. Quando passamos desejam-nos felicidades com sorrisos rasgados de quem esta realmente a divertir-se. A cidade esta deserta como Lisboa aos domingos, mas deixa transparecer uma vitalidade de adolescente que comeca a querer libertar-se dos pais. O consumo comeca a despontar e os precos praticados sao muito elevados. Os restaurantes esforcam-se por imitar os franceses, nao so no nome mas tambem na quantidade infima de comida que servem.
Os templos de Vientiane sao lindissimos, mas o Pha That Luang eh o mais importante monumento nacional, gracas ah impressionante stupa dourada de 45 metros, que serve de motivo a dezenas de postais ilustrados e de fundo a fotografias de familia. Eh impossivel ficar indiferente ao belo, assim encontrado no meio de um ceu azul sublime, sobretudo depois de nos termos deparado com o estranho Arco do Triunfo ca do sitio -- uma grande estrutura inacabada, ainda por rebocar e pintar, construida com cimento oferecido pelos EUA, em 1969, para a instalacao de um novo aeroporto na cidade. Oficialmente designado Patuxai, o monumento destina-se a homenagear os soldados que morreram nas guerras pre-revolucionarias.
A bizarria nao fica por aqui. A cerca de 24 Km de Vientiane descobrimos o Xieng Khuan, tambem conhecido por Buddha Park. Uma consideravel extensao de terreno adornada com centenas de esculturas de deuses hindus e budas reclinados, deitados ou em posicao meditativa. Passeamos por ali debaixo de um calor torrido e, nao sabemos se eh fraqueza ou outra coisa, mas parece que aqueles olhos todos nos perseguem sem descanso. Pelo sim pelo nao, deixo flores nas maos de uns quantos, depois de ter entrado na surreal boca de inferno que nos recebe ah entrada do parque concebido pelo artista-espiritual Luang Phu Boon Lua.
Tal como no resto do mundo, tambem no Laos os jornais fazem retrospectivas e balancos nos ultimos dias de Dezembro. Gracas aos periodicos em ingles (atrasados, mas sempre sao melhor que nada) que conseguimos encontrar na Joma (a patisserie onde todas as manhas perdemos a cabeca e aliviamos os bolsos), fico a saber que apenas em 2005 um medico lao conseguiu realizar, com sucesso, a operacao ao coracao de uma mulher de 24 anos e de um miudo de quatro. Os meios usados e que permitiram a proeza foram todos disponibilizados pelo Luxemburgo.
Eh com esta noticia que volto a lembrar-me que o Laos eh um dos paises que integra a lista dos menos desenvolvidos do mundo. Talvez o Governo atinja a meta que persegue e em 2020 esteja na lista oposta. A avaliar pela quantidade de homens ocidentais que encontramos a passearem com mulheres asiaticas percebemos os receios de uma ou outra pessoa com quem falamos: que o Laos se transforme noutra Tailandia. Ate porque este eh o modelo mais copiado por estes lados. Os apertados jeans comecam, paulatinamente, a substituir as tradiconais saias compridas com barra bordada e as motas ja dominam o transito sem piedade. [AV]

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Vang Vieng: 'countdown' radical

Depois de experimentarmos os autocarros do Laos nao queremos outra coisa. A viagem para Vang Vieng faz-se num veiculo estranhamente em boas condicoes, mas que num apice enche ate nao poder mais. Os banquinhos de plastico ja estao a postos e permitem-me conviver de perto com as unhas grandes (muito comuns tambem no sudeste asiatico) dos dois senhores que ombreiam comigo durante as sete horas de viagem. Apesar do desconforto geral (as curvas no abismo sucedem-se outra vez), os passageiros contam anedotas uns aos outros e um deles comeca a tocar uma especie de gaita, deixando toda a gente bem-disposta, a cantarolar e a bater o pe.
O frio da montanha entra pelas janelas que eles insistem em manter escancaradas e nos fazemos a viagem embrulhados nos nossos casacos e lencos. Numa parte do caminho o nevoeiro atravessa-se ah nossa frente e deixamos de ver curvas, montanhas, ou o que quer que seja.

O mundo eh pequeno -- ja toda a gente sabe disso, bla-bla-bla -- mas nesta etapa da viagem parece-nos ainda mais infimo. De tempos a tempos cruzamo-nos com pessoas que atravessaram a fronteira connosco ou ate que conhecemos no curso de culinaria que fizemos em Chiang Mai. Os ingleses Dick e Jane sao um caso desses. Estiveram no slowboat e tambem no autocarro para Phonsavan, mas so hoje, numa das paragens a caminho de Vang Vieng, temos oportunidade de falar com eles. Ha uma empatia imediata entre nos. Apesar da diferenca de idades, cada um de nos parece sentir necessidade de ficar ali a conversar mais um bocadinho. Em menos de cinco minutos percebemos que pensamos a vida da mesma maneira e em menos de tres trocam-se confidencias. Eu tenho a alma aconchegada por aqueles pais emprestados que encontro. O PM tem um sorriso genuino estampado no rosto.

O autocarro para em Vang Vieng para nos deixar sair. Parece que chegamos a uma cidade fantasma. Ha po no ar e uma pista de aterragem, deixada pelos norte-americanos. A cidade eh composta por uma rua principal e duas ou tres perpendiculares. Tudo parece estar por acabar. As estradas estao por fazer, ha buracos por todo o lado e a construcao dos edificios foi interrompida a meio. A unica coisa que parece funcionar bem eh o turismo, atraido por uma paisagem deslumbrante. Por detras das casas feias e da poeira que se levanta de cada vez que uma mota passa ha um cenario magnifico. O rio eh calminho e claro; nas margens ha toldos de colmo que dao sombra a estrados de madeira onde podemos passar horas infinitas a ler, a ouvir o marulhar das aguas, a seguir os movimentos de uma libelinha ou a fazermos a meditacao que nunca conseguimos fazer em Alges por causa do barulho do cao que vive no andar de baixo.
Pensamos alugar bicicletas para explorar cavernas, equacionamos fazer caminhadas ou andar de caiaque, mas nada nos consegue arrancar desta paz preguicosa. O 'tubing' foi mesmo a coisa mais radical que conseguimos fazer. Na companhia do Dick descemos o rio Nam Xong, enfiados numa camara-de-ar de pneu de camiao. Num curso de agua quase sem corrente, somos obrigados a dar aos bracos e aos pes para avancarmos e nao adormecermos. A pasmaceira so eh interrompida pelos rapazes que nos querem vender Beerlao ao longo do percurso
(e opium, para quem precise de relaxar ainda mais).
Como nao podia deixar de ser, fizemos a contagem para 2006 com essa bebida ubiqua na mao (Beerlao, mas preta) e com os nossos novos amigos ao lado. Vang Vieng eh famosa pela vida nocturna, mas nesta noite vimos apenas um timido fogo-de-artificio e ouvimos um karaoke distorcido. Estranhamos a inexistencia de festarola mas aproveitamos para conhecer melhor este casal que decidiu gastar o que lhe resta (dinheiro e anos de vida util) a viajar por ai. So uns dias mais tarde, quando chegamos a Hanoi, alguem nos diz que a passagem de ano em Vang Vieng foi de arromba mas... a uns bons metros de distancia do local onde estavamos entretidos na conversa com uma mulher que passou anos a chefiar a cantina de uma escola e um oleiro que se tornou enfermeiro numa instituicao psiquiatrica. [AV]

Phonsavan: marcas de guerra

No Laos somos obrigados a abrandar o ritmo. Um pequeno-almoco pode demorar 40 minutos a ser servido e a velocidade de um autocarro publico nao ultrapassa os 20 Km/h. Apesar de alguns guias desaconselharem este meio de transporte para as nove horas de viagem que separam Luang Prabang de Phonsavan, decidimos dar o beneficio da duvida e la fomos nos. Chegamos cedo ah estacao e minutos depois alguem encaminha-nos para uma especie de autocarro indiano mas com janelas e bancos que ja foram estofados. O veiculo poe-se em movimento, chocalha por todos os lados abanando os locais, obrigados a partilhar o seu transporte com alguns ocidentais, mais os sacos de uns e as mochilas de outros. O tejadilho vai apinhado de motas, sacas e outros volumes. A estrada comeca a serpentear por montanhas e vales, num alcatrao inesperado mas mesmo assim estreito. As curvas sinuosas e apertadas mostram-nos um abismo de vegetacao verde e provocam o vomito a muitos passageiros (o PM engoliu um Viabom para impedir as queixas do estomago). Parecemos pudins a abanar la dentro e quase a cair para cima uns dos outros. Tal nao eh dificil porque muito depois de a lotacao estar esgotada continuaram a deixar entrar passageiros, rapidamente acomodados em banquinhos de plastico espalhados ao longo de todo o corredor do autocarro. Durante o caminho paramos diversas vezes - ou porque o motorista detecta um problema mecanico ou porque alguem precisa de ir atras dos arbustos. Nestas ocasioes aproveitamos para demorar os sentidos na paisagem, nas nuvens que ornamentam cumes como nos desenhos infantis, ou nas casas que o nosso imaginario reserva para as aldeias tradicionais, construidas em cima de estacas de madeira e com telhados de colmo. As pessoas vivem ah beira da estrada indiferentes a quem passa. As maes catam os filhos, raparigas tomam banho em soutien, grupos de miudos jogam ah bola.
Chegamos a Phonsavan no dia 27 de Dezembro. Poucos minutos sao suficientes para identificar as diferencas em relacao a Luang Prabang. Phonsavan eh apenas uma cidadezinha construida em torno de uma estrada. Portanto, sem o selo da UNESCO. Restaurantes e guesthouses de um lado e doutro. Tudo a viver ah custa do Plain of Jars - o motivo por que nos aqui viemos. Dezenas de jarros enormes de pedra estao dispostos nas montanhas da regiao. Ninguem sabe como foram ali parar nem com que objectivo foram construidos. Sabe-se apenas que existem ha mais de tres mil anos. Embora a imensidao dos gigantes recipientes nos tenha surpreendido, aquilo que mais nos impressionou foi descobrir as dezenas de crateras gigantes deixadas pelas bombas norte-americanas. O Laos guarda o triste recorde de ter sido um dos paises mais bombardeados de toda a historia. Entre 1964 e 1973 os EUA levaram a cabo cerca de 580 mil missoes aereas sobre o territorio, largando 2 milhoes de toneladas de bombas. Mas esta foi uma "guerra secreta", explica-nos o guia, pelo que ainda hoje os EUA recusam assumir quaisquer responsabilidades neste dominio. Nao ha registos da ocorrencia, eh a resposta oficial. Apesar disso, as crateras estao la. Assim como o orfanato que todos os dias acolhe criancas cujos pais morrem vitimas dos explosivos deixados no territorio. Estima-se que serao necessarios mais de 100 anos ate que o pais seja considerado totalmente seguro, mesmo com as Nacoes Unidas e outras organizacoes a desenvolverem um trabalho continuo de limpeza.
Eh com estas marcas de guerra que convivem diariamente os habitantes de Phonsavan. Mesmo assim, tentam esquecer o que la vai e ate fazem humor negro com os lagos que os EUA lhes ofereceram de presente (ou seja, as crateras).
Por causa dos transportes somos obrigados a ficar duas noites nesta terra triste e ainda temos oportunidade de descobrir dois clubes nocturnos na estrada principal. Num deles -- Soccer, assim se chamava --, iluminado a neons convidativos, vemos um casal de ocidentais entrar e sair logo de seguida. Ainda hoje nos questionamos sobre o que se estaria a passar la dentro, mas acreditamos que, no Laos ou noutro pais qualquer, a coisa nao deve ser muito diferente. [AV]