quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Perfume Pagoda: fe no cimo da montanha

As ruas de Hanoi estao pejadas de cafes que funcionam como agencias de viagens. Eh complicada a tarefa de escolher um deles para marcar uma excursao. Embora as propostas sejam praticamente todas semelhantes, o resultado final pode ser bastante diferente. Recorremos inicialmente ao nosso livro-guia para nos orientarmos neste emaranhado de agencias, mas depressa constatamos que os locais sugeridos apresentam pacotes demasiado pesados para o nosso orcamento. Com base no instinto, decidimo-nos por um dos varios estabelecimentos que ostenta o logotipo Sinh -- originalmente um cafe/agencia de Saigao --, situado perto do nosso hotel. Como leremos mais tarde, nao existe uma legislacao que impeca diferentes empresas de utilizarem os mesmos nomes e ate os mesmos logotipos. Face a esta lacuna legislativa, eh certo e sabido que quando um restaurante (ou uma agencia) se torna famoso, rapidamente surgem inumeras copias que utilizam a mesma denominacao e imagem.
Na manha da excursao somos levados ate ao escritorio de uma tal de Open Tour Travel. O Sinh Cafe escolhido nao eh mesmo o original. A AV protesta mas como a excursao esta paga e nao nos apetece "perder" um dia, cedemos ir ao Perfume Pagoda acompanhados por um guia cujo ingles mal se percebe. Depois de uma viagem de autocarro, chegamos ao Rio do Perfume. Enxames de remadoras, novas e velhas, esperam os turistas em barcos achatados. Mulheres-fotografas disponibilizam-se a acompanhar os viajantes para registar em imagens este passeio ao longo de um rio calmo, ladeado por pequenas elevacoes rochosas. O dia continua cinzento e frio pelo que apos o desembarque sabe bem o inicio do trekking acelerado, mas o agradavel rapidamente se torna infernal, com o ritmo desenfreado imposto pelo guia a so ter descanso em bancas de bebidas previamente combinadas. Quatro quilometros apos o desembarque, numa gruta no cimo da montanha Huong Tich, falta tempo para descobrir os meandros de um dos templos mais importantes do Vietname, local de peregrinacao budista. Os altares evidenciam novamente a mistura de influencias que compoem a "tripla religiao" em voga no Vietname, derivada do budismo mahayana, taoismo e confucionismo.
Apos uma descida que nos faz passar mais uma vez em ritmo vertiginoso por inumeras bancas onde nos "oferecem" bebidas em lata, comida e ate poltronas para descansar enquanto se ve um video-CD, almocamos comida viet numa mesa corrida. O grupo de turistas com que viajamos nao eh muito comunicativo pelo que a interaccao se resume a sorrisos de circunstancia e pedidos para passar o molho de soja, enquanto a AV continua a sua luta (ainda por ganhar) para domar os pauzinhos chineses. A excursao contempla ainda uma visita rapida pos-almoco ao complexo labirintico de templos que compoem o Perfume Pagoda - sem explicacoes do guia... Perco-me da AV enquanto me aproximo dos gritos humanos estridentes que ecoam pelo ar. De repente, deparo com um vetusto monge, de barba longa e branca, que se encaminha vagarosamente para a sua habitacao. Regresso ao convivio dos restantes turistas para encontrar a AV preocupada e farta de uma irritante suica com a mania de contrariar tudo aquilo que dizemos. Consigo arrancar do guia que o homem avistado eh um dos monges mais considerados do Vietname e que o Perfume Pagoda eh a sua casa. De novo no barco, apreciamos pescadores na faina a largarem pequenas cestas no rio. Nas margens, la estao as impressionantes formacoes de monolitos de pedra, caracteristicas da regiao. Terminado o percurso, nenhum dos quatro ocupantes do nosso barco tem trocos para dar a gorgeta ah remadora, tal como o guia nos tinha ordenado (nem sequer foi uma sugestao, o que nos irritou ja que o folheto da excursao referia que estava TUDO incluido menos as bebidas...). Afastamo-nos da margem pedindo desculpas mas os queixumes nao se fazem esperar. E durante centenas de metros conseguimos ouvir os gritos da remadora, descontente com os "clientes" que lhe calharam.

No Vietname, como constataremos cada dia da nossa estada, um dia nunca acaba quando se pensa e, apesar do cansaco da excursao e da viagem de autocarro que nos coloca em Hanoi, decidimos aproveitar a existencia de bilhetes suplementares para o espectaculo de marionetas de agua a que tentaramos assistir no dia anterior (estava esgotado). Nesta arte desenvolvida devido aos efeitos da moncao, as marionetas movimentam-se numa pequena piscina. Os bonecreiros, com agua ate ah cintura, estao ocultos pelo cenario. As historias e lendas representadas em accoes rapidas, acompanhadas pelos sons de uma orquestra e falas em Vietnamita, criam um universo infantil que diverte sem arrebatar. O arrebatamento estava guardado para o jantar no Little Hanoi (existem dois com o mesmo nome/placa, na mesma rua...) onde os lombinhos de atum agri-doce e as gambas com caju deliciam o paladar sem a bateria de condimentos/especiarias de outras gastronomias. Saboreamos o resto da cerveja no aconchego do restaurante, antes de sairmos para as ruas apertadas do velho bairro, onde a vida decorre, como habitualmente, num fremito de agitacao e de convivio. As lojas, os hoteis, os cafes, bares e restaurantes, os sitios de Internet, ocupam os espacos terreos dos edificios e, se o frio nao for muito, escancaram as suas portas (sao raras as portas fechadas). No Vietname, vive-se (n)a rua, seja num banquinho de plastico disposto no passeio ou encostado ah motocicleta parada quase no meio da estrada. [PMM]