sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Hanoi: a cidade branca

O despertar faz-se de madrugada. Malas feitas, escadas descidas, encaramos o funcionario a quem anunciamos a nossa partida. Percebemos que nao fica contente. O negocio nao esta em passarmos uma noite num quarto barato, mas sim em estadas prolongadas, entrecortadas pelas excursoes propostas. Tento pagar a conta de sete dolares mas o troco que o rapaz me pretende dar na moeda local (Dong) eh calculado a um cambio manifestamente errado. Resgato a nota de dez dolares, afirmo que afinal pago em Dongs, mas ao cambio dele. A confusao instala-se. O rapaz comeca a esbracejar enquanto vocifera um "You make me angry!!!". Peco-lhe para se acalmar enquanto a AV lhe relembra o episodio da agua... e que talvez devessemos chamar a policia. Contrariado, aceita o pagamento em Dongs, no cambio correcto e justo. Saimos do hotel-pesadelo para as ruas cinzentas de Hanoi. O ceu encoberto, juntamente com o sucedido, nao permite que as cores locais sobressaiam. Mas ah nuvens que nao conseguem tapar a beleza de certos sitios. E, nos dias seguintes que iremos passar em Hanoi, ja instalados num hotel familiar onde o quarto eh pior mas a simpatia e a seguranca maiores, descobriremos uma cidade com brilho.
Desdobramos o mapa para nos abeirarmos do Museu das Mulheres. Pelo caminho fazemos ouvidos moucos aos insistentes convites dos condutores de riquexo e mototaxi ("Where you go???" eh a frase mais ouvida). O museu eh um tributo ao espirito aguerrido da mulher viet, seja em tempo de conflito ou de paz. Percorrido e magnifico espolio espalhado por tres andares, fica-se com a sensacao de que a sociedade vietnamita eh obra exclusiva da classe feminina. O unico homem nao obliterado eh Ho Chi Minh, retratado em varias fotografias que o colocam, em poses de "pai-mentor", entre dezenas de raparigas e mulheres. Mas a (omni)presenca do Tio Ho estende-se as ruas e, inclusive, as nossas carteiras. O rosto de Ho Chi Minh surge em cartazes, tshirts e em todas as notas de Dong.

No caminho para o primeiro de muitos pagodas, a bandeira do Vietname (estrela amarela sob fundo vermelho) torna-se outra presenca constante, volta e meia acompanhada da tradicional bandeira comunista com a foice e o martelo. Estamos efectivamente numa Republica Socialista, mas respira-se um ar de abertura ao mundo, patente nas lojas de marcas ocidentais que partilham paredes com o comercio tradicional. As estradas estao infestadas de motas e "perdemos" tempo simplesmente a ver/fotografar o fluir do transito, numa mistura intensa de cor, som e movimento. A poluicao que procura alojar-se teimosamente nos nossos pulmoes, impele-nos para novos destinos. Encontramos guarida no pagoda do Lago Hoan Kiem, repleto de influencias chinesas (estatua de Confucio, caracteres em faixas e paredes), japonesas (bonsais), e viets (arquitectura), onde os sentidos sao confundidos pelo cheiro a incenso e por altares repletos de oferendas/objectos simbolicos. No magnifico Templo da Literatura, intrincado de construcoes com significado filosofico-espiritual, temos direito a um espectaculo gratuito de musica tradicional. As notas arrancadas pelos artistas aos estranhos instrumentos dispostos no palco contribuem decisivamente para apagar os efeitos da ira matinal do nosso anfitriao vietnamita e a lembranca do ceu cinzento que, la fora, ameaca constantemente desabar em catadupas de agua. E percebemos que serao momentos de descompressao como este que nos irao ajudar a domar este aguerrido "tigre" asiatico. [PMM]