terça-feira, janeiro 03, 2006

Chiang Mai: turismo em "pacotes"

Quando uma viagem de autocarro com a duracao de sete horas apenas resulta numa historieta para contar, eh altura de nos compenetrarmos que a viagem vai ser, doravante, diferente. A paragem do veiculo na berma da autoestrada de forma ah cobradora dos bilhetes poder sair, de martelo na mao, e trucidar uma arvore recolhendo as cascas extraidas para dentro de um saco de plastico, enquanto um monge aproveita o tempo morto para aliviar a bexiga a cerca de dois metros da porta, agachado e com a tunica cor-de-laranja quase a nao ser suficiente para tapar as partes baixas, funciona como um fait-divers que nos relembra nao estarmos num qualquer pais europeu. Mas quase parece.
Chegados a Chiang Mai, e ultrapassado mais um 'cabo das tormentas' (a negociacao do transporte para a guesthouse escolhida por um preco aceitavel), somos recebidos efusivamente pela mulher que sera a nossa anfitria durante cerca de cinco dias. Tenta e consegue fazer-nos sentir em casa para depois, mal nos apanha a jeito, comecar a bombardear-nos com as varias actividades promovidas pela guesthouse. Dado que o alojamento tem precos simpaticos (cerca de 4 euros por noite num quarto com casa de banho privativa e agua quente) concluimos que o grande negocio de algumas guesthouses consiste nas varias actividades paralelas que promovem. Trekkings de varios dias, excursoes de elefante, rafting, aulas de culinaria... ha varios "pacotes" organizados de forma a contentar os turistas.
Chiang Mai eh uma das principais urbes da Tailandia. Serve de porta de entrada para a regiao montanhosa que se estende ate ash fronteiras com o Laos e o Myanmar. Apesar de populosa, respira-se bem no nucleo da cidade, 'protegido' do trafego mais intenso pelos restos de uma muralha e um fosso. Eh neste quadrado central que visitamos os wats mais importantes. Depois das ruinas de Sukhothai eh agradavel poder admirar a riqueza dos pormenores decorativos dos tectos, paredes, escadas e portas, ou a profusao de estatuas de Buda que se encontram nos altares. Os recintos onde encontramos os templos sao compostos por varios edificios e fervilham de vida. Ao corropio de monges, novos e jovens, com as suas vestimentas garridas e uma alegria que geralmente nao costumamos associar aos que pertencem a ordens religiosas (jogam ah bola, ouvem MP3, e ate dao pontapes nos traseiros uns dos outros), juntam-se turistas e devotos autoctones. Esta romaria assume dimensoes dignas de Fatima no templo Doi Suthep, erigido no cimo de uma montanha e que consiste num dos locais de peregrinacao mais importantes da Tailandia. Alem de muito belos, estes locais caracterizam-se pela energia positiva que parecem emanar. Apetece sentar num banco ah sombra de uma arvore e simplesmente contemplar.
Mas nao ha hipotese de fugir ah simpatica/terrivel anfitria Bou Bou e rapidamente comecamos a nossa viagem pelas actividades promovidas pela guesthouse. O nosso curso de culinaria comeca logo pela manha. De cestinhos na mao e acompanhados por uma inglesa, um americano, e dois belgas (que se haveriam de tornar os nossos grandes companheiros de Chiang Mai), somos conduzidos ao mercado local para conhecer melhor os cheiros, cores e sabores dos produtos utilizados na cozinha tailandesa. Ao pitoresco passeio segue-se um longo dia culinario onde aprendemos - com uma professora cujo ingles era bastante arrevezado - a preparar seis pratos. Como o curso era teorico-pratico tivemos todos de pegar nos tachos e nos woks, cortar alimentos, preparar pastas de caril, fazer caldas... e ate, temor dos temores, fritar em oleo! Julgo que passamos com distincao, ate porque nao sobrou praticamente nada (a AV comeu os pratos todos dela!). Foi de tal a barrigada que deu azo a um enjoo da saborosa comida tailandesa e ao consequente refugio nas pizzas e pastas italianas. E bastou contrariar a purga com mais uns petiscos orientais... para os resultados serem desastrosos. Passei uma noite a vomitar e desde entao que nao posso pensar/ver/cheirar alguns ingredientes.
Felizmente que o almoco incluido na nossa segunda actividade em Chiang Mai era tao mau - e incaracteristico - que a memoria apenas vai guardar a recordacao de andar de elefante, descer um rio numa canoa de bambu e visitar duas aldeias "etnicas". Partimos para este tres-em-um com a nocao de que iriamos fazer algo realmente turistico (aqui aplicado no mau sentido). E assim foi. Da viagem de elefante fica a experiencia de nos sentarmos no cimo deste magnifico animal que demonstra uma estabilidade em terrenos acidentados superior a qualquer 4x4 (e vamos tentar esquecer o circuito de venda de bananas "para tornar os animais felizes" que estava montado ao longo do percurso...). O rafting permitiu apreciar tranquilamente a beleza do rio, mas os rapidos insignificantes que nos molharam o rabo acabaram por despertar a vontade de experimentar sensacoes de mais adrenalina. E as visitas as aldeias serviram para despoletar um debate sobre a influencia do turismo nas minorias etnicas locais: eh que se uma das aldeias parecia manter habitantes com alguns tracos de genuidade, a outra era uma enorme falsidade. E entre as bancadas de pecas artesanais, supostamente fabricadas pelos membros da tribo, ate se encontrou um cinto cor-de-rosa com a marca Diesel estampada.
Debate semelhante mereceu a paisagem nocturna de Chiang Mai. Varias ruas estao polvilhadas de bares de prostitutas e aquilo que em Sukhothai surgia tenuamente, aparece agora na sua real dimensao: nao se encontra um farang (turista) ocidental sozinho. Os que nao estao acompanhados por uma mulher ocidental, estao abracados a uma tailandesa. Ou duas. Nos proprios, na ultima noite em que passamos pelos bares repletos de mulheres (bem vestidas, bem pintadas, muitas delas bem bonitas), saimos de la com tres. Livros, comprados numa bookstore praticamente encravada entre um salao de massagens e um bar de meninas.
Eh ja com o peso e companhia de duas autobiografias (Marlon Brando e Gandhi) em segunda mao e dois romances ("Identidade" do Kundera e "Vernon God Little" de DBC Pierre), e mais um endereco na nossa agenda (a morada do casal belga, Marc e Annemie, que nos fez companhia ao longo de dois jantares seguidos de incursoes nocturnas onde se conversou - muito! -, bebeu - pouco! -, e jogou snooker) que iniciamos a longa jornada ate ao proximo destino: o Laos. [PMM]

2 Comments:

At 6:39 da tarde, Anonymous Anónimo said...

conheço este vosso blog apenas através de um amigo comum (heitor), mas sou já adepto das vossas aventuras por esse mundo fora. o vosso relato faz com que, às vezes, me sinta a viajar também, que consiga sentir esses cheiros e esses sabores característicos que vocês vão experimentando ao longo desta vossa aventura.
o desejo de um bom ano novo parecerá escusado, visto que com toda a aventura que ainda vos espera, será sem dúvida um ano fenomenal. por mim, continuarei a consultar diariamente as vossas aventuras e a afastar-me momentaneamente da azáfama diária, para viajar mentalmente até paragens longínquas...

 
At 3:52 da manhã, Blogger av pm said...

Ola Pedro!
Muito obrigado pela tua mensagem. Nem imaginas como eh bom recebermos algum feedback daquilo que escrevemos. Desta forma sentimos de forma ainda mais marcante que o nosso intuito - levar, deste modo simples e tenue, as pessoas connosco nesta viagem - faz realmente sentido. E julgo que compreendeste bem o fundo desta viagem. Nao sao umas ferias. Sao uma descoberta diaria daquilo que nos somos e do mundo em que estamos inseridos (sem que, na maior parte das vezes, tenhamos consciencia dele). So eh pena que nao consigamos actualizar o relato de forma mais continua...
Grande abraco! [PMM]

 

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