segunda-feira, dezembro 26, 2005

Sukhothai: Regresso ao futuro entre ruinas do passado

Quando H.G. Wells escreveu "A Maquina do Tempo" esqueceu-se de olhar para a Tailandia. Nao sao precisas maquinas complicadas para andar no tempo. Vejo-me ao espelho, na primeira manha que acordamos na Tailandia, e sinto-me bem. Envelheci mais de 500 anos mas quase nao se nota. Estamos a 13 de Dezembro de... 2548, ano do Senhor que nestas paragens dah pelo nome de Buda. Revejo a face reflectida e sinto-me quase tao novo como Sua Majestade, o rei da Tailandia, na pujanca dos seus 78 anos (eh o monarca do mundo que reina ah mais tempo, tendo subido ao trono com 18 anos). A presenca de Bhumibol Adulyadej supera a do proprio Buda. Sua Majestade nao eh omnipresente. Eh bem presente. As notas da moeda local tem todas a efigie do monarca e manda o codigo que nao as amarrotemos ou deixemos cair... Os calendarios prescindem de imagens de meninas em poses sensuais para dar primazia ao retrato de Bhumibol. E sao incontaveis os posters e cartazes de um rei vicoso, jovial, que se avistam em placares pelas ruas e estradas do pais. Sao autenticos altares onde se pratica o culto a um homem que os tailandeses veem como uma figura paternal. Uma especie de conciliador das querelas sociais e politicas, que esta sempre atento para evitar os excessos.
Dificilmente haveria melhor local do que Sukhothai para tambem nos comecarmos a venerar a monarquia. A poucos quilometros da nova cidade jazem as ruinas da antiga capital da primeira nacao Thai. Em 1238, escorracados os Khmers do local, ergue-se uma cidade monumental ah beira do rio Yom. Os vestigios arqueologicos desta epoca de excepcao, considerada o periodo de ouro da Tailandia, estao concentrados no magnifico parque historico da velha Sukhothai. Eh de bicicleta que percorremos as estradas do recinto, sob a sombra das arvores que povoam as bermas. Os relvados estao bem tratados e a tonalidade verde que exala frescura contrasta com os canteiros de flores coloridas. Ha lagos com nenufares e flores de lotus. E, claro, ruinas de templos, ratificadas pela UNESCO como patrimonio mundial. A serenidade sentida na noite anterior acaba reforcada pelo passeio e damos por nos a mimetizar o sorriso placido, contido e contagiante que vislumbramos nas varias estatuas de Buda encontradas ao longo do dia. Apos a profusao (e confusao) de divindades indianas, eh um alivio sermos sempre recebidos pela imagem de Buda. Mas tal como o ditado preferido aqui do local ("Same, same... but different"), cada estatua parece possuir uma verdade exclusiva. A descoberta eh, deste modo, sempre diferente apesar das igualdades.
A hora do almoco traz mais uma achado: a gastronomia local. Basta um pad thai - o prato tipico do pais - com a sua mistura de noodles, vegetais, amendoim e ovo para uma rendicao (quase) incondicional. A comida tailandesa apela a todos os sentidos: eh visualmente apetecivel, cheira bem, sabe ainda melhor. E parece preparada com higiene, mesmo quando se trata de "restaurantes" ah beira da estrada. Recomposto o estomago, passamos o resto da tarde a viajar de templo em templo, aproveitando cada minuto em cima do selim para relembrar os tempos de infancia e juventude, enquanto assobiamos o tema da mitica serie Verano Azul. A felicidade prolonga-se pela viagem de songthaew (autocarro colectivo composto por uma caixa aberta que contem dois bancos de madeira corridos, um frente ao outro) que nos leva de volta ah nova Sukhothai, feita em ritmo lento e com paragens aleatorias para deixar entrar e sair passageiros.

O ar fresco na cara sabe tao bem que no dia seguinte resolvemos repetir a dose, desta vez no parque historico de Si Satchanalai. Ja de bicicleta, encontramos um conjunto de ruinas em pior estado de conservacao e que nao permitem vislumbrar a imponencia de outrora. O passeio volta a valer a pena pelas pedaladas. Estamos de tal forma empolgados que nos propomos a fazer mais 10 km para ver um museu dedicado aos fornos de Sangkhalok, local onde na antiguidade se produziam pecas de olaria exportadas para varias partes do mundo. O pequeno museu, apesar da ausencia de legendas em ingles, esta extraordinariamente bem arranjado. Mas eh o percurso que nos leva ao local que compensa o esforco. A passagem por uma zona mais rural e menos turistica permite apreciar calmamente a arquitectura das casas de madeira, muitas delas construidas em cima de estacas, enquanto respondemos aos "hellos!" genuinos que nos sao enviados pelas pessoas ah beira da estrada.
Esta eh a grande arma do povo tailandes. Uma simpatia genuina e desarmante. Este espirito acaba por nos contagiar de tal forma que ficamos com problemas de consciencia sobre o local que escolhemos para almocar. Sao tres os restaurantes que partilham o mesmo telheiro e todos com senhoras simpaticas a receberem-nos. Terminada a refeicao, mitigamos um pouco do mal estar sobre a nossa seleccao inicial (passamos o tempo todo a dizer "coitada da senhora do lado, nao tem la ninguem!", mudando para o restaurante a seguir ao nosso a fim de beber um Expresso. O qual, apesar de anunciado num letreiro em caracteres generosos, tem de ir ser requisitado pela nossa nova anfitria ao estabelecimento de onde acabaramos de sair... Os sorrisos, generalizados por todos os intervenientes nesta rabula sobre "boas intencoes", transformam-se em puro riso.
O regresso de autocarro ah velha Sukhothai eh feito por entre a alegria efusiva dos jovens acabados de sair da escola, com as suas fardas compostas por camisa branca e calcao/saia azul, que invadem o autocarro. Jantamos na nossa guesthouse com a sensacao da primeira etapa tailandesa estar cumprida. A viagem pode prosseguir na manha seguinte. Antes disso, a AV resolve presentear os varios rapazes que olhavam distraidamente o filme a passar na TV da guesthouse com um quadro (in)esperado. Na intencao de telefonar ah tia em horas portuguesas decentes, a chamada teve de ser feita por volta das 23 horas locais. Para cumprir esta vontade de sobrinha, eh necessario chamar a empregada que melhor fala ingles, a qual ja se encontra deitada. Dito e feito. Momentos depois, surge pela porta a lindissima rapariga, coberta por um mini roupao esvoacante de seda. E nunca tantos homens suspiraram para que um telefonema feminino durasse, se possivel, uma eternidade. Estava apresentada a mulher tailandesa, que tera um papel ainda mais determinante no proximo destino: Chiang Mai. [PMM]