segunda-feira, dezembro 26, 2005

Mumbai - A cidade que surpreendeu duas vezes

Aquela que foi a nossa maior viagem de comboio na India (25 horas percorridas entre Mysore e Mumbai) foi tambem a mais asseptica. Porque iriamos estar tanto tempo enfiados numa carruagem, decidimos pagar um pouco mais e compramos bilhetes numa classe acima daquela em que viajamos sempre. Entre as diferencas notadas, a mais gritante eh a total ausencia de cheiros e sons. As janelas estao hermeticamente fechadas e o ar condicionado assegura uma temperatura um pouco abaixo daquilo a que entretanto nos habituamos. Recostados nos nossos lugares, olhamos pelos vidros mas sentimo-nos um bocadinho perdidos. Vemos mas nao ouvimos nerm cheiramos. Parece que em vez de olharmos a realidade assistimos a um documentario projectado nas janelas do comboio. La fora ninguem nos ve, pelo que tambem ninguem nos tenta vender fruta ou amendois. Nos corredores do comboio nao passam mendigos nem travestis (comuns nos comboios indianos, eh suposto dar-lhes dinheiro). Sabe-nos bem fazer a longa viagem nestas condicoes, mas nao nos arrependemos de todas as outras, as anteriores, que recordaremos para sempre com as suas particularidades.
Chegamos a Mumbai na hora prevista e conseguimos quarto no YWCA. A diaria aqui quase rebenta com o nosso orcamento, mas regalamo-nos naquele que foi o melhor quarto de toda a India. Com duas refeicoes incluidas e uma casa-de-banho virginal (a brancura das loicas ate faz doer os olhos), nem sequer pestanejamos.
Neste regresso a Mumbai damos conta da nossa absoluta rendicao ah cidade. Que maravilha de metropole! Nao sabemos o que eh que operou esta nossa mudanca de perspectiva: o conforto do alojamento ou o facto de termos passado um mes e meio no resto da India... a verdade eh que demos por nos completamente apaixonados pelo fervilhar das ruas; pelos edificios que de repente nos parecem muito semelhentes aos europeus; pelos semaforos que condicionam o transito; pelos jovens que se vestem como os ocidentais e andam abracados sem tabus.
Desta vez visitamos uma galeria de arte e deliciamo-nos com os trabalhos de quatro artistas indianos contemporaneos. O Museu Principe de Gales enche-nos as medidas (excelente audioguia) e o passeio ao final da tarde pela Marine Drive ate Chowpatty Beach mostra-nos uma baia lindissima com um por-do-sol memoravel. Tambem fomos ah famosa ilha de Elephanta (a uma hora de barco de Mumbai), mas demos o dinheiro por mal gasto: a ilha tem muitos mais macacos e caes sarnentos do que vestigios historicos.
No ultimo dia - em Mumbai e na India - assistimos a um espectaculo de musica classica indiana que, pelas suas particularidades, comecou as 6h15 da manha. Ao ar livre, mesmo ao lado do Gateway of India, vivemos um momento de absoluto deslumbramento e introspeccao, durante aquilo a que os organizadores chamaram uma "spiritual morning".
Na madrugada seguinte (12 de Dezembro) temos voo marcado para a Tailandia. No caminho para o aeroporto avistamos um poster de cinema gigante a anunciar o ultimo filme da nossa estrela de Bollywood favorita - o Amitabh Bachchan. Com um ar muito suspeito de quem sabe o que esta a dizer, o homem avisa-nos: "Go Bagkok"! O conjunto formado pelos oculos escuros e a gabardina preta a ondular ao vento nao nos deixam opcao e la seguimos viagem para Bangkok, que remedio! [AV]