quinta-feira, janeiro 19, 2006

Luang Prabang: Natal chique

Passear pelas ruas de Luang Prabang eh tao facil e agradavel que ate custa a acreditar que estamos num pais subdesenvolvido. A cada passo que damos no centro historico da cidade surpreendemos-nos com o elevado estado de conservacao de alguns edificios e constatamos os inumeros estaleiros que prometem mais restauros para breve.
A presenca dos franceses nota-se em cada esquina. Nao so dos franceses colonizadores -- que aqui deixaram uma marca fortissima na arquitectura, nos menus escritos em frances, e ate nas baguetes de pao vendidas na rua -- mas tambem nos franceses que resolveram fazer do Laos um destino turistico de eleicao e hoje enchem templos e restaurantes com excursoes familiares.
Sabe-nos bem andar sem rumo e ate parece que somos so mais dois a passar as ferias de Natal/Ano Novo no estrangeiro. As vezes, neste passear despreocupado tenho a sensacao de estar a passar os olhos pelas paginas de uma revista de viagens dirigida a classes altas. As madeiras escuras no chao e nas varandas das casas remetem-nos para um universo colonial de que ouvimos falar nas aulas de Historia ou recordamos de filmes que vimos ou livros que lemos. Mas os sorrisos de toda a gente, iluminados por lanternas de papel, transportam-nos para um mundo que ainda existe. So nao sabemos se eh real ou fabricado para estes turistas que vestem calcas claras vincadas, pullovers azuis-escuros e camisas de risca. Esperamos descobri-lo quando sairmos daqui.
Mas por agora, sabe-nos bem fechar os olhos e nao pensar em nada. Alias, acabamos por perceber que isto de passar a quadra festiva longe de casa ate tem coisas boas. Eh que nao temos que nos preocupar com rigorosamente nada. Nao ha prendas para comprar, jantares para confeccionar, nem sequer temos anuncios televisivos a criar necessidades que nao existem. Nada. Aqui estamos so nos. Nem sequer estranhamos a ausencia do bacalhau na noite da consoada, substituido por uma massa com frango agridoce, salada de papaia, salsicha nacional e a inconfundivel Beerlao -- a cerveja do Laos que nos persegue por todo o lado com um marketing tao agressivo que ate doi. Mas que ate se compreende: eh que neste pais comunista, a abertura ao ocidente ja se fez ha muito e a Carlsberg, percebendo o potencial daquela que eh conhecida como a melhor cerveja do sudeste asiatico, tratou de comprar a marca e hoje inunda os turistas com t-shirts, sacos (temos um!) e canetas da realmente fantastica Beerlao.
Mas nao pensem que a nossa vespera de Natal foi passada so entre garrafas de cerveja. Nao senhora! Tivemos tambem programa cultural, gracas aos espectaculos organizados de proposito para os ocidentais (porque no Laos budista nao ha Natal) pelo Royal Ballet Pralak Pralam, com dancarinas de saia comprida e sorriso de Gioconda a enfeiticaram todos os homens da assistencia que tinham conseguido resistir, nas ruas da cidade, aos apelos de "Lao massage". Tal como na Tailandia, tambem aqui se oferecem massagens ao pontape (e ao pe)... mesmo que nos garantam "same same, but diferent". [AV]

terça-feira, janeiro 10, 2006

Tailandia-Laos: Mekong em camara lenta

Atravessar o Mekong foi a forma que escolhemos para chegar ao Laos. No dia 21 de Dezembro iniciamos a primeira de tres etapas de uma viagem que so estaria concluida no final de dia 23. Apesar de tudo o que lemos sobre os inconvenientes de optar pela via fluvial, acabamos por querer fazer assim mesmo. E nao nos arrependemos.
A primeira parte da viagem eh feita numa carrinha tipo Hiace, juntamente com outros ocidentais que querem fazer o mesmo que nos. Ao meu lado, tenho as pernas e os bracos de um americano antipatico, que se estica como se estivesse na casa dele. So me consigo ver livre deste rapaz hiperactivo em Chiang Khong, pequena cidadezinha sem historia no Norte da Tailandia. O frio atravessa-nos os ossos e eu sou a unica a acreditar na historia da agua quente disponivel nos balnearios instalados em barracoes nas traseiras dos bungalows (serviu-me de licao, ah pois serviu!). A janela da cabana de madeira que nos eh atribuida nao fecha e o PM obriga um dos empregados da guest house a dormir sem o seu proprio cobertor.
Na manha do dia seguinte reiniciamos uma sucessao de entradas e saidas em carrinhas que nos levam ate ao controlo de passaportes. Eh entao que, quase sem darmos por nada, ja estamos no Laos. Depois de eu tanto fantasiar sobre esta passagem fronteirica, dou por mim a chegar a Huai Xai sem pompa nem circunstancia, depois de uns miseros 10 minutos num barquinho rasteiro. Senti-me como uma especie de noiva surpreendida com a rapidez da sua noite de nupcias.
Novo controlo de passaportes e vistos e, pela primeira vez, encontramo-nos milionarios. Logo ali na fronteira trocamos uns dolares por kips (moeda do Laos) e ficamos sem saber como transportar os macos de notas que nos passam para a mao. So para terem nocao, um dolar corresponde a cerca de 10 mil Kips.
Dai a cerca de uma hora estamos a escolher o banco de madeira em que seguiremos sentados durante o resto do dia, com o Mekong por companhia. Estamos prevenidos com toalhas a fazerem de almofada e polares para cortar o frio. A meio da viagem ja nao sabemos o que fazer as pernas, porque a inclinacao lateral do casco do barco nao nos deixa sentar a direito com os pes assentes no chao.
Mas tudo isto eh pequenino e insignificante quando olhamos para a paisagem que nos envolve os sentidos durante horas e quilometros. As margens do rio oferecem-nos extensoes infindaveis de terra e vegetacao. Nao ha casas nem carros. Mas ah areia branca e um ou outro barco que passa por nos a transportar generos. Eh poetico e carregado de frases feitas, este cenario. A beleza tem destas coisas.

So ocasionalmente somos acordados deste torpor, quando os speed-boats passam por nos a uma velocidade alucinante, deixando um rasto de barulho ensurdecedor (nos seguimos em slow-boats, mas ha quem opte por fazer a viagem em speed-boats, demorando apenas oito horas a fazer um percurso que nos fazemos em dois dias. Diz quem sabe que a experiencia do speed-boat eh terrivel e traumatizante, nao so pelo barulho dos motores - que podem deixar sequelas durante dias - mas tambem pelo elevado risco de acidente).
Sao talvez 17h30 e a noite ameaca cair de um momento para o outro. O barco atraca em Pak Beng, localidade onde iremos passar a noite. Depois de me passarem a mochila para os bracos tenho um ataque de riso desesperado. Ali estou eu, do outro lado do mundo e sem conseguir dar um passo, presa pelo peso da bagagem. Ah nossa frente esta uma ravina de areia. Eh preciso subir a montanha para chegar a Pak Beng. No meio das gargalhadas, digo ao PM que nao vou conseguir chegar la acima, porque se mexo os pes caio para tras, puxada pela mochila.
Acabo por conseguir trepar a ravina e chegar a uma guesthouse toda construida em madeira. Primeira surpresa: no meio do nada, temos uma casa-de-banho com sanita. Segunda surpresa: numa aldeia do Laos que se calhar nem vem no mapa, encontramos uma rua repleta de restaurantes, hoteis e lojas que vendem Pringles, televisoes de ecra plano e VCDs piratas. Sao os efeitos do turismo, que ali se faz sentir apenas por causa desta paragem, a caminho de Luang Prabang.
Na manha do dia seguinte tomamos o pequeno-almoco na rua, sentados na mesma mesa onde a nossa anfitria prepara as sandes que serao o nosso almoco. Voltamos ao cais e conseguimos entrar num barco com almofadinhas. Em contrapartida, temos que partilhar o assento um com o outro. No caminho dou por mim a olhar para a paisagem e a tentar descortinar onde acabara este sonho que encontro enquadrado pelo caixilho de madeira das janelas sem vidros.
Com um por-do-sol magnifico chegamos a Luang Prabang. No momento em que comecamos a procurar um sitio para ficar, apaixono-me pela cidade. E percebo o encanto que a UNESCO lhe deve ter encontrado para a considerar patrimonio mundial. [AV]

Ja a seguir: Natal com massa e frango sweet and sour, acompanhado por salada de papaia e salsicha do Laos

Competicao do postal ilustrado

Como gostamos e precisamos muito, mas mesmo muito, de receber/ler as vossas palavras aqui neste cantinho, aderimos ah moda em voga na esfera bloguista e iniciamos aqui um pequeno concurso... Por cada pais que passarmos (ah excepcao da India), iremos atribuir um premio ao melhor comentario, critica, dissertacao, declaracao de amor, ou seja la o que for que seja deixado no nosso blog. O vencedor sera anunciado no blog e devera enviar-nos um email para lobossemestepes@gmail.com com a morada em que deseja receber o nosso fabuloso premio: um postal ilustrado relativo ao pais a que se refere esse post/comentario. Mas fica ja o aviso aos futuros vencedores: preparem-se para que este faustoso premio demore algumas semanas a chegar e nao liguem se o selo postal for de um pais diferente ao da paisagem ilustrada... :-) Neste momento estao a decorrer competicoes para os destinos Tailandia (pais onde ainda teremos de regressar) e Laos. E sempre que surgir um novo pais no blog, inicia-se uma nova competicao.

O que nos nao fazemos para receber umas palavras vossas. :-)

PS - Esta competicao NAO eh patrocinada pelos servicos postais dos paises por onde passamos...

terça-feira, janeiro 03, 2006

Chiang Mai: turismo em "pacotes"

Quando uma viagem de autocarro com a duracao de sete horas apenas resulta numa historieta para contar, eh altura de nos compenetrarmos que a viagem vai ser, doravante, diferente. A paragem do veiculo na berma da autoestrada de forma ah cobradora dos bilhetes poder sair, de martelo na mao, e trucidar uma arvore recolhendo as cascas extraidas para dentro de um saco de plastico, enquanto um monge aproveita o tempo morto para aliviar a bexiga a cerca de dois metros da porta, agachado e com a tunica cor-de-laranja quase a nao ser suficiente para tapar as partes baixas, funciona como um fait-divers que nos relembra nao estarmos num qualquer pais europeu. Mas quase parece.
Chegados a Chiang Mai, e ultrapassado mais um 'cabo das tormentas' (a negociacao do transporte para a guesthouse escolhida por um preco aceitavel), somos recebidos efusivamente pela mulher que sera a nossa anfitria durante cerca de cinco dias. Tenta e consegue fazer-nos sentir em casa para depois, mal nos apanha a jeito, comecar a bombardear-nos com as varias actividades promovidas pela guesthouse. Dado que o alojamento tem precos simpaticos (cerca de 4 euros por noite num quarto com casa de banho privativa e agua quente) concluimos que o grande negocio de algumas guesthouses consiste nas varias actividades paralelas que promovem. Trekkings de varios dias, excursoes de elefante, rafting, aulas de culinaria... ha varios "pacotes" organizados de forma a contentar os turistas.
Chiang Mai eh uma das principais urbes da Tailandia. Serve de porta de entrada para a regiao montanhosa que se estende ate ash fronteiras com o Laos e o Myanmar. Apesar de populosa, respira-se bem no nucleo da cidade, 'protegido' do trafego mais intenso pelos restos de uma muralha e um fosso. Eh neste quadrado central que visitamos os wats mais importantes. Depois das ruinas de Sukhothai eh agradavel poder admirar a riqueza dos pormenores decorativos dos tectos, paredes, escadas e portas, ou a profusao de estatuas de Buda que se encontram nos altares. Os recintos onde encontramos os templos sao compostos por varios edificios e fervilham de vida. Ao corropio de monges, novos e jovens, com as suas vestimentas garridas e uma alegria que geralmente nao costumamos associar aos que pertencem a ordens religiosas (jogam ah bola, ouvem MP3, e ate dao pontapes nos traseiros uns dos outros), juntam-se turistas e devotos autoctones. Esta romaria assume dimensoes dignas de Fatima no templo Doi Suthep, erigido no cimo de uma montanha e que consiste num dos locais de peregrinacao mais importantes da Tailandia. Alem de muito belos, estes locais caracterizam-se pela energia positiva que parecem emanar. Apetece sentar num banco ah sombra de uma arvore e simplesmente contemplar.
Mas nao ha hipotese de fugir ah simpatica/terrivel anfitria Bou Bou e rapidamente comecamos a nossa viagem pelas actividades promovidas pela guesthouse. O nosso curso de culinaria comeca logo pela manha. De cestinhos na mao e acompanhados por uma inglesa, um americano, e dois belgas (que se haveriam de tornar os nossos grandes companheiros de Chiang Mai), somos conduzidos ao mercado local para conhecer melhor os cheiros, cores e sabores dos produtos utilizados na cozinha tailandesa. Ao pitoresco passeio segue-se um longo dia culinario onde aprendemos - com uma professora cujo ingles era bastante arrevezado - a preparar seis pratos. Como o curso era teorico-pratico tivemos todos de pegar nos tachos e nos woks, cortar alimentos, preparar pastas de caril, fazer caldas... e ate, temor dos temores, fritar em oleo! Julgo que passamos com distincao, ate porque nao sobrou praticamente nada (a AV comeu os pratos todos dela!). Foi de tal a barrigada que deu azo a um enjoo da saborosa comida tailandesa e ao consequente refugio nas pizzas e pastas italianas. E bastou contrariar a purga com mais uns petiscos orientais... para os resultados serem desastrosos. Passei uma noite a vomitar e desde entao que nao posso pensar/ver/cheirar alguns ingredientes.
Felizmente que o almoco incluido na nossa segunda actividade em Chiang Mai era tao mau - e incaracteristico - que a memoria apenas vai guardar a recordacao de andar de elefante, descer um rio numa canoa de bambu e visitar duas aldeias "etnicas". Partimos para este tres-em-um com a nocao de que iriamos fazer algo realmente turistico (aqui aplicado no mau sentido). E assim foi. Da viagem de elefante fica a experiencia de nos sentarmos no cimo deste magnifico animal que demonstra uma estabilidade em terrenos acidentados superior a qualquer 4x4 (e vamos tentar esquecer o circuito de venda de bananas "para tornar os animais felizes" que estava montado ao longo do percurso...). O rafting permitiu apreciar tranquilamente a beleza do rio, mas os rapidos insignificantes que nos molharam o rabo acabaram por despertar a vontade de experimentar sensacoes de mais adrenalina. E as visitas as aldeias serviram para despoletar um debate sobre a influencia do turismo nas minorias etnicas locais: eh que se uma das aldeias parecia manter habitantes com alguns tracos de genuidade, a outra era uma enorme falsidade. E entre as bancadas de pecas artesanais, supostamente fabricadas pelos membros da tribo, ate se encontrou um cinto cor-de-rosa com a marca Diesel estampada.
Debate semelhante mereceu a paisagem nocturna de Chiang Mai. Varias ruas estao polvilhadas de bares de prostitutas e aquilo que em Sukhothai surgia tenuamente, aparece agora na sua real dimensao: nao se encontra um farang (turista) ocidental sozinho. Os que nao estao acompanhados por uma mulher ocidental, estao abracados a uma tailandesa. Ou duas. Nos proprios, na ultima noite em que passamos pelos bares repletos de mulheres (bem vestidas, bem pintadas, muitas delas bem bonitas), saimos de la com tres. Livros, comprados numa bookstore praticamente encravada entre um salao de massagens e um bar de meninas.
Eh ja com o peso e companhia de duas autobiografias (Marlon Brando e Gandhi) em segunda mao e dois romances ("Identidade" do Kundera e "Vernon God Little" de DBC Pierre), e mais um endereco na nossa agenda (a morada do casal belga, Marc e Annemie, que nos fez companhia ao longo de dois jantares seguidos de incursoes nocturnas onde se conversou - muito! -, bebeu - pouco! -, e jogou snooker) que iniciamos a longa jornada ate ao proximo destino: o Laos. [PMM]